segunda-feira, 30 de abril de 2012

CITAÇÃO DO DIA ...


" Escrever significa  mexer com funduras -

 como Clarice , feito Pessoa . "


Caio Fernando Abreu , in " Pequenas Epifanias "

NOSSO MEDO MAIS PROFUNDO


 

" Nosso medo mais profundo não é o de sermos inadequados .
Nosso medo mais profundo é não sermos suficientemente
fortes .
  É  nossa LUZ  , não nossa ESCURIDÃO ,que mais nos assusta .
Perguntamos a nós mesmos , quem sou eu para ser brilhante ,
belo , talentoso , fabuloso ?
Na verdade , quem você NÃO  deve ser ?
Você é um filho de Deus . Brincar sem ser para valer
não satisfaz o mundo .
Não há nada de iluminado em se encolher  tanto  que
as outras pessoas  não se sintam inseguras  ao seu lado .
Nascemos para tornar manifesta  a glória de Deus
que está dentro de nós .
Não está apenas em nós ; está em todos .
Ao deixarmos brilhar nossa própria luz , inconscientemente
damos a outras pessoas a permissão de fazer o mesmo .
Ao  nos libertarmos de nosso próprio medo , nossa presença
automaticamente liberta outros ."


Nelson  Mandela

domingo, 29 de abril de 2012

POEMA DE HOJE ...


"Todas  as vidas gastei

para morrer contigo .

E  agora

esfumou-se o tempo

e perdi o teu passo

para além da curva do rio .

Rasguei as cartas .

Em vão : o papel restou intacto .

Só os meus dedos incharam , decepados .

Queimei  as fotos .

Em vão : as imagens restaram incólumes

e só os meus olhos se desfizeram , redondas cinzas .

Com que roupa

vestirei minha alma

agora que já não há domingos ?

Quero morrer , não consigo.

Depois de te viver

não há poente

nem o  enfim de um fim .

Todas  as mortes gastei

para  viver  contigo ."


Mia Couto

sábado, 28 de abril de 2012

CAFÉ DA MANHÃ


" Pôs café
na xícara
Pôs leite
na xícara com café
Pôs açúcar
no café com leite
Com a colherzinha
mexeu
Bebeu o café com leite
E pôs a xícara no pires
Sem me falar
acendeu
um cigarro
Fez círculos
com a fumaça
Pôs as cinzas
no cinzeiro
Sem me falar
Sem me olhar
Levantou-se
Pôs
o chapéu na cabeça
Vestiu
a capa de chuva
porque chovia
E saiu
debaixo de chuva
Sem uma palavra
Sem me olhar
Quanto a mim pus
a cabeça entre as mãos
      E chorei. "


Jacques Prévert

MARTHA MEDEIROS


( ...)

" Caço o silêncio . Atiro no barulho . "

" Eu caço o sossego . Atiro na tevê .
Eu caço afeto . Atiro em gente rude .
Eu caço liberdade . Atiro na patrulha .
Eu caço amigos . Atiro em fantasmas .
Eu caço amanhã . Atiro no ontem .
Eu caço prazeres. Atiro no tédio .
Eu caço o sono . Atiro no sol .
E quando caço o sol , atiro em relógios  .
Acho que é isto que a leitura faz .
Nos solta na floresta com uma arma na mão .
Nos dá munição para atirar  em tudo o que nos distrai
de nós mesmos , no que nos desconcentra .
O livro não permite que fiquemos sem nos escutar .
A leitura faz eu mirar em mim e acertar no que eu
nem sabia  que também sentia e pensava .
E , por outro lado , me ajuda a matar tudo o que pode
haver em mim de limitante :
preconceitos ,idéias fixas ,hipocrisias , solenidades ,
dores cultuadas .
Lendo , eu caço a mim e atiro em mim "


in ,"  Caça "

sexta-feira, 27 de abril de 2012

ALICE RUIZ


"  a luz está acesa

não importa

se você se importa

se você  ora

ora não

ora sim

sempre acesa

chama perdida

chamando


a luz está tão acesa

toda ondas

se espraiando

olhando

por quem a veja


já não importa

se você está lá


a luz  está "



in , " dois em um "

SONHO DE POETA


" Quem dera fosse meu

o poema de amor

definitivo .


Se amar fosse o bastante ,

poder eu poderia ,

pudera ,

às vezes , parece ser esse ,

meu único destino .


Mas vem o vento e leva

as palavras que digo ,

minha canção de amigo .


Um sonho de poeta ,

não vale o instante

vivo .


Pode que muita gente

  veja no que escrevo

tudo que sente

e vibre

e chore

e ria ,

como eu antigamente ,

quando não sabia

que não há um verso ,

amor ,

que te contente ."


Alice Ruiz

quinta-feira, 26 de abril de 2012

DANIEL LIMA


" Tenho qualquer idade em qualquer tempo

velho agora e menino logo adiante ;

aqui jovem e depois homem maduro ;

às vezes nem nascido , às vezes morto .


A idade em mim rebenta impetuosa

não do tempo existido , mas das coisas

que me criam e também que são criadas

pelo que sou e sinto em face delas .


Menino e velho sou não sucessivo

mas simultâneo a cada sentimento

- múltipla idade de uma alma múltipla


às vezes já estou morto há muitos anos

muito depois e frio ; mas às vezes

sinto que vou nascer , sinto-me antes .


" in , " Poemas "

quarta-feira, 25 de abril de 2012

JOSEFINA PLÁ


"A quem deixar o meu guarda-roupa oculto
o guarda-roupa fantasma
de todos os vestidos
que tive e que me abandonaram
os vestidos
que nunca tive e que vesti em segredo
O vestido que veio demasiado cedo
e que nunca me caiu bem
o vestido
que chegou já tarde
para ir à festa
quando eu já tinha adormecido


O vestido de criança
tão igual ao vestido
da primeira boneca
O da menina com o corpete já estreito
que apertava os seios doendo-lhe em casulo
O da adolescente que pressentia o homem
ladrão de túnicas na sesta sufocante


O vestido esquecido
da mulher que sob a sombra
do homem eclipse ocultou-se uma noite
e amanheceu como a lua cheia
surpreendida pela luz na metade do céu


O vestido de guerra rasgado
como bandeira
da mãe partida em dois
para sentir-se inteira

O vestido de luto que não levei para os meus
mortos
que ainda vivem


Os vestidos que alguém me emprestou para sonhar


...Quando chegar a morte também será um vestido
que não verei porque estarei a dormir ".



Josefina Plá

ANAIS NIN


" Os braços foram-me tirados , cantava .

    Fui punida por abraçar . Abracei .

Prendi nos momentos mais belos de minha vida .

Fechei nas mãos a plenitude de cada hora .

Os braços apertados no desejo de abraçar .

Quis abraçar a lua , o vento ,o sol , a noite,

o mundo inteiro  e quis retê-los .

Quis acariciar , curar , embalar ,envolver , cercar .

Forcei-os e prendi de tal modo que  se partiram ;

partiram  de mim  ."










.

terça-feira, 24 de abril de 2012

MARIO QUINTANA


" Da vez primeira em que me assassinaram,

Perdi um jeito de sorrir que eu tinha.

Depois, a cada vez que me mataram,

Foram levando qualquer coisa minha."


in , " A Rua dos Cataventos "

Soneto XVII

domingo, 22 de abril de 2012

Citação de hoje ...



" A vida é sempre a mesma para todos :

rede de ilusões e desenganos .

O quadro é único ,a moldura é que é diferente ."


Florbela Espanca

A infância



" Nós somos a saudade da nossa infância .

Vivemos dela , alimentamo-nos do seu

mistério e da sua distância .

Creio que são eles , unicamente , que nos

sustentam a vida , com a essência da

esperança .

(...)

Temos as paisagens da nossa infância

imortalizadas em nós ; e os vultos que

por ela transitaram , e as palavras que

então floresceram , e o ritmo e o aroma

que animavam cada aparência tornada

confusa e obscura pelo tumulto das épocas

seguintes .

Falamos da família como de uma afeição que

cresce todos os dias , com a consciência da

nossa sentimentalidade .

Eu creio que amamos os que se fixaram na

inconsciência da nossa sensibilidade , que

se incorpararam à nossa vida real ,

que foram as formas dóceis aos milagres

de nossa imaginação ,e os enfeites de esperança

que estiveram na nossa alma de crianças ,

acesos como candelabros ..."



Cecília Meireles , in " Crônicas de Educação "

José Castello : O presente de um poeta



"Retratos não guardam a objetividade,
tampouco a nitidez que deles esperamos.
Estão sempre um pouco desfocados.
Conservam o recorte da perspectiva.
Dependem de uma série de fatores externos,
do acaso, do imponderável, que estão muito
além das circunstâncias técnicas.
Trazem manchas de luz, súbitas obscuridades,
deformações.
Essas ideias me vêm enquanto tento traçar
um retrato do poeta Manoel de Barros.
Aos 95 anos, depois de perder, há quatro anos,
o filho do meio, João, o poeta de Mato Grosso do Sul
agora vigia à cabeceira de seu filho mais velho,
Pedro,que sofreu um AVC.
Anda triste, esgotado, oprimido pela rudeza do real.
Quase não sai mais de casa.
Além da mulher, Stella, só se comunica regularmente
com a filha, Martha Barros, que vive no Rio, mas está
sempre em Campo Grande ao lado do pai.
"Não fala da morte", me diz Martha,
"nem gosta de falar de doença".
À morte nome algum - poema algum - corresponde
e o poeta sabe disso.
Cala-se: só o silêncio faz algum sentido,
ainda que precário, diante dela.
Ainda assim, ultrapassando seu silêncio e por meio de Martha,
experimento lhe mandar um pedido de entrevista.
Que responda à mão - Martha copiará depois suas respostas
em um e-mail. Que responda aos poucos, aos pedaços, devagar.
Explico-lhe que meu tema (o tema desta coluna de "Instantâneos")
é o presente. O que lhe peço? - eu me dou conta.
Que enfrente e fale de seu doloroso agora.
Mesmo assim, escrevo minha carta, admito,
sem grandes esperanças, mais para lhe fazer um gesto de carinho.
Mais para acariciar, ainda que com palavras,
um poeta que muito admiro.
Para minha surpresa, poucos dias depois,
e novamente por meio da bondosa Martha, recebo esta resposta:


"Campo Grande, fevereiro de 2012


Caro amigo Castello


No caminho, as crianças me enriqueceram
mais do que Sócrates.
Pois minha imaginação não tem estrada.
E eu não gosto mesmo de estrada.
Gosto de desvio e de desver.


Como dizer!
Eu vi um lagar com olhar de árvore.
Pura inocência que o absurdo faz.
Pura inocência para desver o certo.
Eu queria era mudar a feição das coisas.
Assim como desnaturar pela palavra.
Ver as coxas rosadas da Manhã na beira do rio era gosto.
A gente andava perdido nas Origens.


As palavras não tinham comportamento.
Era sempre um Tratado de Descoisas que eu queria fazer.
São alguns dos fragmentos que estou aqui mandando a você
como respostas às suas sábias perguntas.
Repito que sempre andei pelas origens sem me conhecer.
Talvez sirva esta espécie de carta para explicar
o divino absurdo e Fernando Pessoa para explicar
as raízes da inocência.
Assim: eu vi uma frondosa formiga ajoelhada no adro!


Mas não havia nem adro nem origens.
Grande abraço e obrigado por tudo.


Seu amigo


Manoel de Barros"

.....
José Castello

Pablo Neruda



" Meu primeiro livro !

Sempre sustentei que a tarefa do escritor não

é misteriosa nem mágica , mas que , pelo menos

a do poeta , é uma tarefa pessoal , de benefício

público . O que mais se parece com a poesia é

um pão ou um prato de cerâmica ou uma madeira

delicadamente lavrada , ainda que por mãos

rudes . No entanto creio que nenhum artesão

pode ter , como o poeta tem , por uma única

vez durante a vida , esta sensação embriagadora

do primeiro objeto criado por suas mãos , com a

desorientação ainda palpitante de seus sonhos .

É um momento que não volta mais .

Virão muitas edições mais cuidadas e belas .

Chegarão suas palavras vertidas na taça de

outros idiomas como um vinho que cante

perfume em outros lugares da terra .

Mas esse minuto em que o primeiro livro sai ,

com tinta fresca e papel novo ,

esse minuto de arrebatamento e embriaguez ,

com som de asas que revoluteiam e

de primeira flor que se abre na altura

conquistada ,esse minuto é único

na vida do poeta ."


in , " Confesso que vivi"

sábado, 21 de abril de 2012

LIBERA-ME



"Livrai-me, Senhor
De tudo o que for
Vazio de amor

Que nunca me espere
Quem bem não me quer
(Homem ou mulher).

Livrai-me também
De quem me detém
E graça não tem

E mais de quem não
Possui nem um grão
De imaginação"

Carlos Queiroz

sexta-feira, 20 de abril de 2012

SEMENTE E FRUTO



"Despojada. Apedrejada.
Sozinha e perdida nos caminhos incertos da vida.
E fui caminhando, caminhando...
E me nasceram filhos.
E foram eles, frágeis e pequeninos,
carecendo de cuidados,
crescendo devagarinho.
E foram eles a rocha onde me amparei,
anteparo à tormenta que viera sobre mim.
Foram eles, na sua fragilidade infante,
postes e alicerces, paredes e cobertura,
segurança de um lar
que o vento da insânia
ameaçava desabar.
Filhos, pequeninos e frágeis...
eu os carregava, eu os alimentava?
Não. Foram eles que me carregaram,
que me alimentaram.
Foram correntes, amarras, embasamentos.
Foram fortes demais.
Construíram a minha resistência.
Filhos, fostes pão e água no meu deserto.
Sombra na minha solidão.
Refúgio do meu nada.
Removi pedras, quebrei as arestas da vida
e plantei roseiras.
Fostes, para mim, semente e fruto.
Na vossa inconsciência infantil.
Fostes unidade e agregação."


Cora Coralina

quinta-feira, 19 de abril de 2012

DEFINIÇÃO DE HOJE ...



" Esperança é aquilo que tem plumas -

que se empoleira na alma - e canta canção

sem palavras - e nunca pára , nunca ."


Emily Dickinson

quarta-feira, 18 de abril de 2012

A CASA DO TEMPO PERDIDO



" Bati no portão do tempo perdido,
ninguém atendeu.
Bati segunda vez e mais outra e mais outra.
Resposta nenhuma .

A casa do tempo perdido está coberta de hera
pela metade; a outra metade são cinzas.
Casa onde não mora ninguém,
e eu batendo e chamando pela dor de chamar
e não ser escutado.

Simplesmente bater.
O eco devolve minha ânsia de entreabrir
esses paços gelados.
A noite e o dia se confundem no esperar,
no bater e bater .


O tempo perdido certamente não existe.
É o casarão vazio e condenado."


Carlos Drummond de Andrade

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Ainda , PESSOA ...



" As crianças são muito literárias

porque dizem como sentem e não

como deve sentir quem sente segundo

outra pessoa .

Uma criança , que uma vez ouvi ,

disse , querendo dizer que estava

à beira de chorar , não " Tenho

vontade de chorar " , que é como

diria um adulto , um estúpido ,

senão isto :

" Tenho vontade de lágrimas " .

E esta frase , absolutamente ,

literária , a ponto de que seria

afetada num poeta célebre , se

ele a pudesse dizer , refere

resolutamente a presença quente

das lágrimas a romper das pálpebras

conscientes da amargura líquida ."


Bernardo Soares ,

in " Livro do desassossego "

FERNANDO PESSOA



" Tudo se me evapora .

A minha vida inteira ,as minhas recordações ,

a minha imaginação e o que contém ,

a minha personalidade , tudo se me evapora .

Continuamente sinto que fui outro ,

que senti outro , que pensei outro .

Aquilo a que assisto é um espetáculo

com outro cenário .

E aquilo a que assisto sou eu ."



Bernardo Soares , in " Livro do Desassossego"

sábado, 14 de abril de 2012



"Só está ali, à sua frente,

como um punhado de argila à espera

de que você o tome nas mãos para

dar-lhe uma forma qualquer:

um bebê, um cristal, um diamante

e assim por diante.

E se você não o fizer, ele se fará

por si mesmo, o momento presente”.


Caio Fernando Abreu,

in "Pequenas Epifanias"

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Francisco Azevedo nos esclarece:



" Velho é criança de folêgo diferente.

Já não lhe interessam as correrias nos jardins ,

o sobe e desce das gangorras, o vaivém dos

balanços . É tudo muito pouco .

O que ele quer agora é desembestar no céu ,

soltar os bichos que colecionou a vida inteira.

Os bichos todos - domésticos , selvagens ,

úteis e nocivos . Os pesados répteis que ainda

guarda no coração e as borboletas, peixes e

passarinhos , tudo solto lá em cima !"


in, " O Arroz de Palma "

Definição do dia ...



" Vida é caleidoscópio .
De nada adianta girarmos o cilindro devagar .
Tanto cuidado para quê ?
Quando menos esperamos os cacos de vidro desabam
uns nos outros e formam o imprevisível desenho ."


Francisco Azevedo , in " O arroz de Palma "

quarta-feira, 11 de abril de 2012

TRECHOS



"( ...)

Um domingo de tarde sozinha em casa dobrei-me

em dois para a frente -como em dores de parto -

e vi que a menina em mim estava morrendo .

Nunca esquecerei esse domingo .

Para cicatrizar levou dias .

E eis-me aqui .

Dura , silenciosa e heróica .

Sem menina dentro de mim ."


Clarice Lispector , in

" Aprendendo a viver "

" PRECISA-SE "



" ( ...)

Precisa-se de alguém homem ou mulher que

ajude uma pessoa a ficar contente porque

esta está tão contente que não pode ficar

sozinha com a alegria , e precisa reparti-la .

Paga-se extraordinariamente bem :

minuto por minuto paga-se com

a própria alegria .

É urgente porque a alegria dessa pessoa é

fugaz como estrelas cadentes , que até parece

que só se as viu depois que tombaram ;

precisa-se urgente antes da noite cair porque

a noite é muito perigosa e nenhuma ajuda

é possível e fica tarde demais ."


Clarice Lispector

terça-feira, 10 de abril de 2012

CLARICE LISPECTOR



" Haverá uma ano

em que haverá um mês ,

em que haverá uma semana ,

em que haverá um dia

em que haverá uma hora

em que haverá um minuto

em que haverá um segundo

e dentro do segundo

haverá o não tempo-sagrado

da morte transfigurada ."

segunda-feira, 9 de abril de 2012

UM VIDRO MOLE



" O rio que fazia uma volta atrás da nossa casa

era a imagem de um vidro mole ...

Passou um homem e disse :

Essa volta que o rio faz ...

se chama enseada ...

Não era mais a imagem de uma cobra de vidro

que fazia uma volta atrás da casa .

Era uma enseada .

Acho que o nome empobreceu a imagem ."


Manoel de Barros

FEDERICO GARCÍA LORCA



" Mas o que vou dizer da Poesia ?

O que vou dizer destas nuvens , deste céu ?

Olhar , olhar , olhá-las , olhá-lo e nada mais .

Compreenderás que um poeta não pode

dizer nada da poesia .

Isso fica para os críticos e professores .

Mas nem tu , nem eu , nem poeta algum ,

sabemos o que é poesia ."

Ah !



" Ah , se pelo menos o pensamento

não sangrasse !

Ah , se pelo menos o coração

não tivesse memória !

Como seria menos linda e mais

suave minha história ."


Cacaso

sábado, 7 de abril de 2012

MILHO DE PIPOCA




" (...)
A transformação do milho duro em pipoca macia
é símbolo da grande transformação porque devem
passar os homens para que eles venham a ser o que
devem ser. O milho da pipoca não é o que deve ser.
Ele deve ser aquilo que acontece depois do estouro.
O milho da pipoca somos nós:
duros, quebra-dentes, impróprios para comer,
pelo poder do fogo podemos, repentinamente,
nos transformar em outra coisa — voltar a ser crianças!
Mas a transformação só acontece pelo poder do fogo.

Milho de pipoca que não passa pelo fogo continua
a ser milho de pipoca, para sempre.

Assim acontece com a gente.
As grandes transformações acontecem quando
passamos pelo fogo.
Quem não passa pelo fogo fica do mesmo jeito,
a vida inteira.
São pessoas de uma mesmice e dureza assombrosa.
Só que elas não percebem. Acham que o seu jeito
de ser é o melhor jeito de ser .

Mas, de repente, vem o fogo.
O fogo é quando a vida nos lança numa situação
que nunca imaginamos. Dor.
Pode ser fogo de fora:
perder um amor, perder um filho, ficar doente,
perder um emprego, ficar pobre.
Pode ser fogo de dentro :Pânico, medo, ansiedade,
depressão — sofrimentos cujas causas ignoramos.
Há sempre o recurso aos remédios. Apagar o fogo.
Sem fogo o sofrimento diminui.
E com isso a possibilidade da grande transformação.

Imagino que a pobre pipoca, fechada dentro da panela,
lá dentro ficando cada vez mais quente, pense que sua
hora chegou: vai morrer.
De dentro de sua casca dura, fechada em si mesma,
ela não pode imaginar destino diferente.
Não pode imaginar a transformação que está
sendo preparada
A pipoca não imagina aquilo de que ela é capaz.
Aí, sem aviso prévio, pelo poder do fogo,
a grande transformação acontece: PUF!!
— e ela aparece como outra coisa,
completamente diferente, que ela mesma nunca
havia sonhado. É a lagarta rastejante e feia
que surge do casulo como borboleta voante.

Na simbologia cristã o milagre do milho de pipoca
está representado pela morte e ressurreição de Cristo:
a ressurreição é o estouro do milho de pipoca.
É preciso deixar de ser de um jeito para ser de outro."

Rubem Alves , in " O amor que acende a lua "


Amigos ,

Alegre e abençoada Páscoa para todos nós .

Beijos,

Marisa

quinta-feira, 5 de abril de 2012

CHARLES BUKOWSKI



"Há um pássaro azul

no meu coração

que quer sair

mas eu sou demasiado duro

com ele ,

e digo, fica aí dentro,

não vou deixar

ninguém vê-lo .

(...)

Há um pássaro azul

no meu coração

que quer sair

mas eu sou demasiado esperto,

só o deixo sair à noite ,

por vezes ,

quando todos estão dormindo .

Eu lhe digo , sei que esta aí,

por isso

não fique triste.

Então ,

coloco-o de volta,

mas ele canta um pouco lá dentro,

não o deixei morrer de todo

e dormimos juntos

assim

com o nosso

pacto secreto

e é bom o suficiente

para fazer um homem chorar,

mas eu não choro,

e você ? "



no poema " BLUEBIRD "

QUARESMEIRAS



"As Quaresmeiras têm um trato com Deus:
surgem após o carnaval,
um momento antes da Paixão,
prevendo mudança de comportamento.
Sem muita convicção,
cobrem-se de paramentos;
variam entre o roxo e o rosa
numa inconstância entre o casto e o pagão.
Nem sempre cristãs, nem sempre melindrosas,
procuram ser pontuais.
Serviçais redondas e floradas,
polvilham de pétalas e rotina das calçadas
a mesmice preguiçosa dos pardais."

Flora Figueiredo

terça-feira, 3 de abril de 2012

A INVENÇÃO DE UM MODO



"Entre paciência e fama quero as duas,

pra envelhecer vergada de motivos.

Imito o andar das velhas de cadeiras duras

e se me surpreendem, explico cheia de verdade:

tô ensaiando. Ninguém acredita

e eu ganho uma hora de juventude.

Quis fazer uma saia longa pra ficar em casa,

a menina disse:

"Ora, isso é pras mulheres de São Paulo"

Fico entre montanhas,

entre guarda e vã,

entre branco e branco ,

lentes pra proteger de reverberações.

Explicação é para o corpo do morto,

de sua alma eu sei.

Estátua na Igreja e Praça

quero extremada as duas.

Por isso é que eu prevarico e me apanham chorando ,

vendo televisão,

ou tirando sorte com quem vou casar.

Porque que tudo que invento já foi dito

nos dois livros que eu li :

as escrituras de Deus,

as escrituras de João.

Tudo é Bíblias. Tudo é Grande Sertão."


Adélia Prado

CERIMÔNIA DO CHÁ



"Ainda ontem
convidei um amigo
para ficar em silêncio
comigo .

Ele veio
meio a esmo
praticamente não disse nada
e ficou por isso mesmo ."

Paulo Leminski

CANÇÃO


                                    Duy Huynh

" Ouvi cantar de tristeza,
porém não me comoveu.
Para o que todos deploram,
que coragem Deus me deu!


Ouvi cantar de alegria.
No meu caminho parei.
Meu coração fez-se noite.
Fechei os olhos. Chorei.


Dizem que cantam amores.
Não quero ouvir mais cantar.
Quero silêncios de estrelas,
voz sem promessas do mar."


Cecilia Meireles