David Lee Thompson
" Eu sei escrever .
Escrevo cartas , bilhetes , lista de compras ,
composição escolar narrando o belo passeio
à fazenda de vovó que nunca existiu
porque ela era pobre como Jó .
Mas escrevo também coisas inexplicáveis:
quero ser feliz , isto é amarelo .
E não consigo , isto é dor .
Vai- te de mim , tristeza , sino gago ,
pessoas dizendo entre soluços :
" não aguento mais ".
Moro num lugar chamado globo terrestre
onde se chora mais
que o volume das águas denominadas mar ,
para onde levam os rios outro tanto de lágrimas .
Aqui se passa fome . Aqui se odeia .
Aqui se é feliz , no meio de invenções miraculosas .
Imagine que uma dita roda gigante
propicia passeios e vertigens
entre luzes , música , namorados em êxtase .
Como é bom ! De um lado os rapazes .
De outra as moças , eu louca para casar
e dormir com meu marido no quartinho
de uma casa antiga com soalho de tábua .
Não há como não pensar na morte ,
entre tantas delícias , querer ser eterno .
Sou alegre e sou triste , meio a meio .
Levas tudo a peito , diz minha mãe ,
dá uma volta , distrai-te , vai ao cinema .
A mãe não sabe , cinema é como dizia o avô :
" cinema é gente passando .
Viu uma vez , viu todas ."
Com perdão da palavra , quero cair na vida .
Quero ficar no parque ,
a voz do cantor açucarando a tarde ...
Assim escrevo : tarde . Não a palavra .
A coisa . "
Adélia Prado
Som na caixa ...