terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

CECÍLIA MEIRELES - A ARTE DE SER FELIZ

Imagem da " net " 

José Paulo Cavalcanti Filho , autor do livro 
" FERNANDO PESSOA , uma quase autobiografia ",
 nos relata : 
" Em  fins de 1934 , Cecília Meireles vai pela primeira vez
a Portugal  para fazer conferências em Lisboa  e Coimbra .
Com ela o primeiro marido , e velho amigo de pessoa ,
o pintor português Fernando Correia Dias , que se suicidaria
logo depois , no mesmo mês em que morreria o amigo poeta .
Para ela , Pessoa seria  o caso mais extraordinário das
letras portuguesas , e seu mais conhecido poema
" A arte de ser feliz ", tem estilo bem próximo
ao dele . 
Cecília  telefona a um dos escritórios em que trabalha
Pessoa e marcam encontro , ao meio dia , na Brasileira
do Chiado . Depois de duas horas esperando em vão ,
volta  para o hotel em que se hospedou e lá encontra
um exemplar de MENSAGEM  dedicado 
" A Cecilia Meireles , alto poeta  e a Correia Dias , 
velho amigo , e até cúmplice ."  Junto , um bilhete 
justificando  a ausência ; é que sentindo vibrações 
mediúnicas , decidira fazer seu horóscopo  daquele dia ,
nele vendo que " os dois não eram para se encontrar ."
Cecília nunca veria Pessoa , " mais triste do que 
aconteceu , é o que nunca aconteceu ."

A ARTE DE SER FELIZ  

" Houve um tempo  em que minha janela 
se abria para uma cidade  que parecia
ser feita de giz .
Perto da janela  havia um jardim quase seco .
Era uma época  de estiagem , de terra esfarelada ,
e o jardim parecia morto .
Mas todas as manhãs  vinha um pobre com 
um balde , e , em silêncio , ia atirando com a mão 
umas gotas de água sobre as plantas .
Não era uma rega : era uma espécie de aspersão 
ritual para que o jardim não morresse .
E eu olhava para as plantas ,
para o homem  , para as gotas de água  que 
caíam de seus dedos  magros e meu coração 
ficava completamente feliz .
Às vezes  abro a janela e encontro 
o jasmineiro em flor .
Outras vezes encontro nuvens espessas .
Avisto crianças que vão para a escola .
Pardais que pulam pelo muro .
Gatos que abrem e fecham os olhos ,
sonhando  com os pardais .
Borboletas brancas, duas a duas ,
como refletidas no espelho do ar .
Marimbondos que sempre me parecem
personagens de Lope de Vega . 
Às vezes , um galo  canta .
Às vezes , um avião passa .
Tudo está certo , no seu lugar ,
cumprindo o seu destino .
E  eu me sinto completamente feliz .
Mas , quando falo dessas pequenas felicidades 
certas , que estão  diante de cada janela ,
uns dizem que estas coisas não existem,
outros que só existem diante das minhas janelas ,
e , outros , finalmente , que é preciso aprender 
a olhar , para poder vê-las  assim ."

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