" Tenho quarenta janelas
nas paredes do meu quarto .
Sem vidros nem bambinelas
posso ver através delas
o mundo em que me reparto .
Por uma entra a luz do Sol ,
por outra a luz do luar ,
por outra a luz das estrelas
que andam no céu a rolar .
Por esta entra a Via Láctea
como um vapor de algodão ,
por aquela a luz dos homens ,
pela outra a escuridão .
Pela maior entra o espanto ,
pela menor a certeza ,
pela da frente a beleza
que inunda de canto a canto .
Pela quadrada entra a esperança
de quatro lados iguais ,
quatro arestas , quatro vértices ,
quatro pontos cardeais .
Pela redonda entra o sonho ,
que as vigias são redondas
e o sonho afaga e embala
à semelhança das ondas .
Por além entra a tristeza ,
por aquela entra a saudade
e o desejo , e a humildade ,
e o silêncio , e a surpresa ,
e o amor dos homens , e o tédio ,
e o medo , e a melancolia ,
e essa fonte sem remédio
a que se chama poesia ,
e a inocência , e a bondade ,
e a dor própria , e a dor alheia ,
e a paixão que se incendeia ,
e a viuvez e a piedade ,
e o grande pássaro branco ,
e o grande pássaro negro
que se olham obliquamente ,
arrepiados de medo ,
todos os risos e choros ,
todas as fomes e sedes ,
tudo alonga a sua sombra
nas minhas quatro paredes .
Oh janelas do meu quarto ,
quem vos pudesse rasgar !
Com tanta janela aberta
falta-me a luz e o ar ."
in , " Teatro do Mundo " , 1958
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