segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011
A arte de ser feliz
" Houve um tempo em que minha janela
se abria para uma cidade que parecia
ser feita de giz.
Perto da janela havia um jardim quase seco .
Era uma época de estiagem, de terra
esfarelada ,e o jardim parecia morto .
Mas todas as manhãs vinha um pobre
com um balde , e , em silêncio , ia
atirando com a mão umas gotas de água
sobre as plantas .
Não era uma rega : era uma espécie
de aspersão ritual para que o jardim
não morresse .
E eu olhava para as plantas ,
para o homem , para as gotas de água que
caíam de seus dedos magros e meu coração
ficava completamente feliz .
Às vezes abro a janela e encontro o
jasmineiro em flor .
Outras vezes encontro nuvens espessas .
Avisto crianças que vão para a escola .
Pardais que pulam pelo muro .
Gatos que abrem e fecham os olhos ,
sonhando com os pardais .
Borboletas brancas , duas a duas ,
como refletidas no espelho do ar .
Marimbondos que sempre me parecem
personagens de Lope de Vega .
Às vezes , um galo canta .
Às vezes , um avião passa .
Tudo está certo , no seu lugar , cumprindo o
seu destino .
E eu me sinto completamente feliz.
Mas , quando falo dessas pequenas felicidades
certas , que estão diante de cada janela ,
uns dizem que essas coisas não existem ,
outros que só existem diante das minhas janelas ,
e, outros , finalmente , que é preciso aprender
a olhar , para poder vê-las assim ."
Cecília Meireles
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