sexta-feira, 2 de julho de 2010
Caio Fernando Abreu : Carta Anônima
Pequeno trecho
(...) " Tenho trabalhado tanto ,
mas penso sempre em você .
Mais de tardezinha que de manhã ,
mais naqueles dias que parecem poeira
assentada aos poucos e com mais força enquanto
a noite avança .
Não são pensamentos escuros ,
embora noturnos .
Tão transparentes que até parecem de vidro ,
vidro tão fino que , quando penso mais forte ,
parece que vai fazer assim clack !
e quebrar em cacos ,o pensamento que penso de você .
Se não dormisse cedo nem estivesse quase sempre
cansado , acho que estes pensamentos quase doeriam
e fariam clack! de madrugada e eu me veria catando
cacos de vidro entre os lençóis .
Brilham , na palma de minha mão .
Num deles , tem uma borboleta de asa rasgada.
Noutro , um barco confundido com a linha do horizonte ,
onde também tem uma ilha .
Não , não : acho que a ilha mora num caquinho só dela .
Noutro , um punhal de jade.
Coisas assim ,algumas ferem ,
mesmo essas que são bonitas.
Parecem filme , livro , quadro .
Não doem porque não ameaçam .
Nada que eu penso de você ameaça .
Durmo cedo , nunca quebra ."
Texto publicado no O Estado de São Paulo , 16/03/1988
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Ufa!! esta doeu fundo de linda, plena de sentimentos que já senti e sinto.
ResponderExcluirBeijo,
Nédier