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José Paulo Cavalcanti Filho , autor do livro
" FERNANDO PESSOA , uma quase autobiografia ",
nos relata :
" Em fins de 1934 , Cecília Meireles vai pela primeira vez
a Portugal para fazer conferências em Lisboa e Coimbra .
Com ela o primeiro marido , e velho amigo de pessoa ,
o pintor português Fernando Correia Dias , que se suicidaria
logo depois , no mesmo mês em que morreria o amigo poeta .
Para ela , Pessoa seria o caso mais extraordinário das
letras portuguesas , e seu mais conhecido poema
" A arte de ser feliz ", tem estilo bem próximo
ao dele .
Cecília telefona a um dos escritórios em que trabalha
Pessoa e marcam encontro , ao meio dia , na Brasileira
do Chiado . Depois de duas horas esperando em vão ,
volta para o hotel em que se hospedou e lá encontra
um exemplar de MENSAGEM dedicado
" A Cecilia Meireles , alto poeta e a Correia Dias ,
velho amigo , e até cúmplice ." Junto , um bilhete
justificando a ausência ; é que sentindo vibrações
mediúnicas , decidira fazer seu horóscopo daquele dia ,
nele vendo que " os dois não eram para se encontrar ."
Cecília nunca veria Pessoa , " mais triste do que
aconteceu , é o que nunca aconteceu ."
A ARTE DE SER FELIZ
" Houve um tempo em que minha janela
se abria para uma cidade que parecia
ser feita de giz .
Perto da janela havia um jardim quase seco .
Era uma época de estiagem , de terra esfarelada ,
e o jardim parecia morto .
Mas todas as manhãs vinha um pobre com
um balde , e , em silêncio , ia atirando com a mão
umas gotas de água sobre as plantas .
Não era uma rega : era uma espécie de aspersão
ritual para que o jardim não morresse .
E eu olhava para as plantas ,
para o homem , para as gotas de água que
caíam de seus dedos magros e meu coração
ficava completamente feliz .
Às vezes abro a janela e encontro
o jasmineiro em flor .
Outras vezes encontro nuvens espessas .
Avisto crianças que vão para a escola .
Pardais que pulam pelo muro .
Gatos que abrem e fecham os olhos ,
sonhando com os pardais .
Borboletas brancas, duas a duas ,
como refletidas no espelho do ar .
Marimbondos que sempre me parecem
personagens de Lope de Vega .
Às vezes , um galo canta .
Às vezes , um avião passa .
Tudo está certo , no seu lugar ,
cumprindo o seu destino .
E eu me sinto completamente feliz .
Mas , quando falo dessas pequenas felicidades
certas , que estão diante de cada janela ,
uns dizem que estas coisas não existem,
outros que só existem diante das minhas janelas ,
e , outros , finalmente , que é preciso aprender
a olhar , para poder vê-las assim ."
Som na caixa ...