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quarta-feira, 4 de março de 2015

TEMPO

imagem    da  net 


" Se corre devagar  o tempo , e o tempo 
não corre , em que relógio contarei
os segundos que se demoram quando as 
horas  se  precipitam ou o amanhã 

que nunca mais chega neste hoje 
que já passou ?  Mas  o tempo  só  o  é 
quando o perdemos ; e ao ver que 
 é tarde  ,  não se volta atrás  , nem 

as  voltas  que o tempo dá  o voltam
a fazer  andar . Por  isso é que o tempo 
nos  dá  tempo  para  o  ter , se  ainda 

houver  tempo ; e se  tivermos  de o perder ,
nenhum  tempo  contará  o tempo que se
 gastou para  saber  o que se perdeu , ou ganhou ."

Nuno Júdice 

Som  na  caixa ...

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

UMA DISTRAÇÃO DO TEMPO ...

Nenad Mirkovitch
 
" Quero definir-te o que é este sentimento :
o que pertence à esfera  daquilo que a razão
não domina ,  ou simplesmente nasce da noite ,
e de tudo que a envolve .  Falo de uma
 íntima  relação entre os seres , de emoções
que se transmitem para além de palavras  e
conceitos , de um encontro de corpos  na
esfera de um segredo .
 Dir-me- ás : " Para que precisas  de uma
 explicação para o amor ?"
Mas é a sua inutilidade que me interessa ;
a dádiva , o simples dizer que as coisas  são
assim  porque são , e, para além disso tudo
se complica . Podes , então , rir do que te digo;
ou simplesmente dizer-me  que as palavras nada
substituem , e que tudo que elas nos dão
 está a mais . Mas  o  amor  pertence-nos .
Não o podemos deitar fora ;
 nem fingir que não existe , como não existe
 o infinito , a transcendência , a abstração divina ,
para quem só crê  no concreto .
É  verdade  que o amor não se vê :
o que vejo são teus olhos , a ternura súbita
das tuas pálpebras , e o que elas abrem e
 escondem numa hesitação de luz .
Eis então  o que define  este sentimento :
um  intervalo , uma distração do tempo ,
a divina abstração do infinito ,
na transcendência  do real . "
 
Nuno  Júdice
 
Som  na  caixa ... 
 
 

domingo, 27 de janeiro de 2013

PARA ESCREVER O POEMA

Elvira de Kolb
 
"  O poeta quer escrever sobre um pássaro :
e o pássaro  foge-lhe  do verso .
 
O poeta  quer  escrever  sobre a maçã :
e a maçã cai-lhe do ramo onde pousou .
 
O poeta quer escrever sobre uma flor :
e a flor murcha  no jarro da estrofe .
 
Então , o poeta faz uma gaiola de palavras
para  o  pássaro não fugir .
 
Então , o poeta chama pela serpente
para que ela convença Eva a morder a maçã .
 
Então , o poeta põe água na estrofe
para que a flor não murche .
 
Mas  um  pássaro não canta
quando o fecham  na gaiola .
 
A serpente não sai da terra
porque Eva tem medo de serpentes .
 
E a água que devia manter viva a flor
escorre por entre os versos .
 
E quando o poeta pousou a caneta ,
o pássaro começou a voar ,
Eva  correu por entre as macieiras
e todas as flores nasceram da terra .
 
O poeta voltou a pegar na caneta ,
escreveu o que tinha visto ,
e o poema ficou feito ."
 
 
Nuno Júdice ,
in  " A Matéria do Poema "

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

O JOGO

 
"  Eu , sabendo que te amo ,
E como as coisas de amor são difíceis ,
Preparo em silêncio  a mesa
do jogo , estendo as peças
sobre o tabuleiro , disponho os lugares
necessários  para  que  tudo
comece :  as cadeiras
uma em frente da outra , embora saiba
que as mãos não se podem tocar ,
e que para além das dificuldades ,
hesitações , recuos
ou avanços possíveis , só os olhos
transportam , talvez , uma hipótese
de entendimento. É  então que chegas ,
e como se um vento do norte
entrasse por uma janela aberta ,
o jogo inteiro voa pelos ares ,
o frio enche-te  os  olhos de lágrimas ,
e empurras-me  para dentro , onde
o fogo consome o que resta
do nosso quebra-cabeças ."
 
Nuno Júdice

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Confissão


"  De   um  e   outro lado do que sou ,
da luz e da obscuridade ,
do ouro e do pó ,
ouço pedirem-me  que escolha ;
e deixe para trás a inquietação ,
a dor ,
um peso  de não sei que ansiedade .

Mas  levo  comigo  tudo
o que recuso . Sinto
colar-se-me às costas
um resto de noite ;
e não sei voltar-me
para  a frente , onde
amanhece ."


Nuno  Júdice 


domingo, 17 de junho de 2012

PARADOXO ORNITOLÓGICO


" Um  dia ,  um  homem   transformou-se  em  pássaro
e  voou  à  volta  da  mulher  que  esperava  que
um pássaro  se  transformasse   em  homem ."


Nuno  Júdice


segunda-feira, 7 de maio de 2012

EPIGRAMA

 
 " Abro-te a porta do poema; e tu

espreitas para dentro da estrofe, onde

um espelho te espera."


Nuno  Júdice

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Tarde com sol



" As coisas simples dizem-se depressa ;

tão depressa que nem conseguimos que as ouçam .

As coisas simples murmuram-se ; um murmúrio tão

baixo que nem chega aos ouvidos de ninguém .

As coisas simples escorrem pela prateleira

da loja ; tão ao de leve que ninguém as compra .

As coisas simples flutuam com o vento ;

tão alto , que não se vêm .




São assim as coisas simples : tão simples

como o sol que bate nos teus olhos , para

que os feches , e as coisas simples passem

como sombra sobre as tuas pálpebras ."


Nuno Júdice

sábado, 13 de novembro de 2010

Silêncio ...



" Pego num pedaço de silêncio .

Parto-o ao meio , e vejo saírem

de dentro dele todas as palavras

que ficaram por dizer .

Umas , meto-as num frasco com álcool

da memória , para que se transformem

num licor de remorso ; outras , guardo-as

na cabeça para as dizer , um dia ,

a quem me perguntar o que significam .

Mas o silêncio de onde as palavras

saíram volta a espalhar-se sobre elas .

Bebo o licor do remorso , e tiro da

cabeça as outras palavras que lá ficaram,

até o ruído desaparecer , e só o silêncio

ficar , inteiro , sem nada por dentro ."


Nuno Júdice , in " A matéria do poema "