domingo, 21 de dezembro de 2014

PARA QUE SERVE A UTOPIA ?

Robert Hefferan 

" A  utopia  está lá no horizonte .
Me  aproximo dois passos, 
ela se afasta  dois passos .
Caminho  dez passos e o horizonte
corre  dez passos .
Por  mais que eu caminhe ,
 jamais a alcançarei .
Para que serve  a utopia ?
Serve  para isso :
para que eu não deixe de caminhar ."

Fernando Birri , citado por 
Eduardo Galeano ,
in " Las palabras andantes "


Amigos ,

Desejo a todos um Feliz e
 Abençoado Natal !
Que , em 2015 , com muita saúde , 
alegria e paz , continuemos
caminhando juntos .

Abraço  e  beijo vocês 

Marisa 

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quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

94º ANIVERSÁRIO DE CLARICE LISPECTOR



( ...)

"  Para me  refazer  e te refazer  volto ao meu estado
de jardim e sombra , fresca realidade , mal existo e 
se existo  é com delicado cuidado . Em redor da sombra
faz  calor de suor abundante . Estou viva mas sinto que 
ainda não alcancei meus limites , fronteiras com o que ?
Sem fronteiras , a aventura da liberdade perigosa.
Mas  arrisco, vivo  arriscando . 
Estou cheia de acácias balançando amarelas ,
 e eu que mal  e mal comecei 
a minha jornada , começo-a  com um senso de tragédia,
adivinhando  para que oceano perdido vão os meus 
passos de vida . E doidamente me apodero  dos
desvãos de mim , meus desvarios me sufocam de 
tanta beleza .
Eu sou antes , eu sou quase , eu sou nunca .
E tudo isso ganhei ao deixar de te amar ".

Clarice Lispector ,
in " Água Viva "


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terça-feira, 25 de novembro de 2014

MANOEL DE BARROS


Sempre  foi grande minha admiração pelo nosso poeta
mato-grossense  Manoel de Barros , falecido há 12 dias . 
Estava  com 97 anos  e , nas palavras  de sua neta ,
 Joana de Barros :
" Ele  estava muito debilitado , muito  velhinho .
Ele descansou .  Ele virou passarinho ".

Seleciono trecho ,que gosto bastante, do seu
livro " Memórias  Inventadas- A Infância ".

" Eu tenho um ermo enorme dentro do olho .
Por motivo do ermo  não fui um menino peralta .
Agora tenho saudade do que não fui .
Acho que o que faço agora é o que não pude
fazer na infância .
Faço outro tipo de paraltagem .
Quando eu era criança devia pular muro 
do vizinho  para catar goiaba .
Mas  não havia vizinho .
Em vez de peraltagem eu fazia solidão .
Brincava de fingir que pedra era lagarto .
Que lata era navio .
Que sabugo  era um serzinho mal resolvido
e igual a um filhote de gafanhoto .
Cresci brincando no chão , entre formigas .
De uma infância livre e sem comparamentos .
Eu tinha mais comunhão com as coisas que
comparação . Porque se a gente fala  a partir
de ser criança , a gente faz comunhão :
de um orvalho e sua aranha , de uma tarde 
e suas garças , de um pássaro  e sua árvore .
Então eu trago de minhas raízes crianceiras 
a visão comungante e oblíqua das coisas .
Eu sei dizer  sem pudor que o escuro me ilumina .
É  um paradoxo   que ajuda a poesia e eu falo
sem pudor .
Eu tenho que esta visão oblíqua  vem de eu 
ter sido criança em algum lugar perdido
onde havia transfusão da natureza e 
comunhão com ela .
Era o menino e os bichinhos .
Era o menino e o sol .
O menino e o rio .
Era o menino e as árvores ."

Som  na  caixa ...





domingo, 9 de novembro de 2014

CÂNTICOS

Anie  Stege 

Cânticos  reúne  vinte e seis  poemas   de
Cecília Meireles , todos eles de caráter 
intimista   e introspectivo , alguns com mote
vinculado à eternidade e à autodescoberta .

Cântico  XIII

" Renova-te  em ti mesmo ,
Multiplica os teus olhos ,
para  verem mais .
Multiplica os teus braços 
para semeares tudo .
Destrói os olhos que tiverem visto .
Crie outros , para as visões novas .
Destrói os braços que tiverem semeado ,
para se esquecerem de colher .
Sê  sempre o mesmo .
Sempre  outro .
Mas  sempre  alto .
Sempre longe .
E  dentro de tudo ."

Cecília  Meireles  

Som   na  caixa ...


.

sábado, 25 de outubro de 2014

DOS AFETOS

Alex  Alemany 

" Como  fazer-te  saber  que há  sempre  tempo ?

Que  temos  que buscá-lo  e dá-lo ...
Que ninguém  estabelece normas , senão a vida ...
Que  a  vida  sem  certas  normas  perde  formas ...
Que  a  forma não se perde com abrirmo-nos ...
Que  abrirmo-nos  não é amar
indiscriminadamente ...
Que  não é proibido amar ..
Que  também  se  pode  odiar ...
Que  a  agressão porque  sim , fere  muito ...
Que  as  feridas  fecham-se ...
Que  as  portas  não devem  fechar-se ...
Que  a  maior  porta  é  o  afeto ...
Que  os  afetos  definem-nos ...
Que  definir-se  não é remar contra a
 corrente ...
Que  não quanto mais se carrega 
no traço  mais se desenha ...
Que  negar  palavras é abrir distâncias ...
Que  encontrar-se  é  lindo ...
Que  o  sexo  faz  parte  da lindeza  da  vida ...
Que  a  vida  parte  do sexo ...
Que o  porquê  das  crianças 
 tem o seu porquê ...
Que  querer  saber  de alguém 
não é só  curiosidade  malsã ...
Que  nunca  é  demais  agradecer ...
Que autodeterminação  não é 
fazer  as  coisas  sozinho ...
Que  ninguém  quer  estar  só ...
Que  para  não estar  só  há que dar ...
Que  para  dar  devemos  antes  receber ...
Que  para  nos  darem  há também
que saber  pedir ...
Que  saber  pedir  não é  oferecer-se ...
Que  oferecer-se , em definitivo ,
não é  querer-se ...
Que  para  nos  quererem  devemos 
mostrar  quem  somos ...
Que  para alguém  ser é preciso
dar-lhe  ajuda ...
Que  ajudar é  poder  dar  ânimo 
e apoiar ...
Que  adular não é apoiar ..
Que  adular é tão pernicioso  como
virar  a  cara ...
Que  as  coisas  cara  a cara  são honestas ...
Que  ninguém  é  honesto por não roubar ...
Que  quando não se tira prazer  das  coisas 
não se vive ...
Que  para sentir  a vida  temos  de esquecer 
que existe  a morte ...
Que  se  pode  estar morto em vida ...
Que  sentimos  com o corpo e a mente ...
Que  com  os  ouvidos  se  escuta ...
Que  custa  ser  sensível e não se ferir ...
Que  ferir-se  não é sangrar ...
Que  para  não  nos  ferirmos 
levantamos  muros ...
Que  melhor  seria  fazer  pontes ...
Que  por  elas  se  vai à  outra  margem
e ninguém volta ...
Que  voltar  não implica  retroceder ...
Que  retroceder  também pode ser
avançar...
Que  não é por muito avançar 
que se amanhece  perto do sol ...

Como  fazer-te  saber  que ninguém 
estabelece normas , senão  a  vida ?  "

Mario Benedetti 

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sexta-feira, 10 de outubro de 2014

FERREIRA GULLAR




Ontem ,  09 de outubro de 2014,
 a  Academia Brasileira de Letras ,
anunciou o mais novo ocupante 
da cadeira  37 , vaga desde a morte 
do poeta Ivan Junqueira 
em julho deste ano .
Trata-se do  escritor , poeta e tradutor  
maranhense de 84 anos ,
Ferreira Gullar , que é o mais 
novo " imortal " da Literatura Brasileira .

Partilho , com vocês , " Extravio ",
 um dos 54  poemas , 
do Livro " Muitas Vozes " ,
que  tece considerações 
 sobre a fluidez do ser .  


Derek  Gores 

"  Onde  começo , onde  acabo ,
se o que está fora  está dentro
como num círculo  cuja
periferia  é  o centro ?

Estou disperso  nas coisas ,
nas pessoas , nas gavetas :
de repente  encontro  ali
partes  de mim : risos , vértebras .

Estou  desfeito  nas nuvens :
vejo do alto  a cidade 
 e em cada  esquina um menino ,
que sou eu mesmo a chamar-me  .

Extraviei-me  no tempo .
Onde  estarão meus pedaços ?
Muito se foi com os amigos
que já não ouvem  nem falam .

Estou disperso  nos vivos ,
em  seu corpo , em seu olfato,
onde  durmo feito aroma 
ou voz que também não fala .

Ah, ser somente o presente :
esta manhã , esta  sala ."

Ferreira  Gullar 

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sexta-feira, 3 de outubro de 2014

POR NÃO ESTAREM DISTRAÍDOS

imagem  da net 

" Havia   a levíssima embriaguez de andarem juntos ,
a alegria como quando  se  sente a garganta um pouco
seca  e se vê  que , por admiração , se estava de boca
entreaberta : eles  respiravam  de antemão  o ar que
estava à frente  , e ter esta sede  era a própria água 
deles . Andavam por ruas  e ruas  falando e rindo ,
falavam e riam para dar matéria  peso à levíssima
embriaguez  que era a alegria  da sede deles .
Por causa de carros e pessoas , às  vezes  eles se tocavam ,
e  ao toque -  a sede  é  a  graça , mas  as  águas  são
uma beleza  de  escuras - e  ao toque  brilhava o 
brilho  da  água  deles , a boca ficando  um pouco
mais  seca  de admiração .
Como  eles admiravam estarem juntos !
Até  que  tudo  se  transformou  em não .
Tudo  se  transformou  em  não  quando eles quiseram 
essa mesma  alegria  deles .
Então  a grande  dança  dos  erros .
O cerimonial das palavras desconcertadas .
Ele  procurava  e  não  via  ,
ela não via  que ele não vira ,
ela  que , estava  ali ,  no entanto .
No  entanto  ele que estava  ali .
Tudo  errou ,  e havia  a grande poeira  das ruas ,
e quanto  mais  erravam , 
mais com aspereza queriam ,  sem  um sorriso .
Tudo só porque tinham prestado atenção ,
só porque não estavam bastante distraídos .
Só  porque , de súbito exigentes  e duros ,
quiseram  ter  o  que  já  tinham .
Tudo porque quiseram dar um  nome ;
porque quiseram  ser , eles que eram .
Foram  então  aprender que , 
não se estando distraído ,
o telefone  não toca ,
 e é preciso sair de casa 
para  que a carta chegue , 
e quando o telefone  finalmente toca ,
o deserto da espera já cortou os fios .
Tudo , tudo por não estarem mais distraídos ."

Clarice Lispector 
in , " A Descoberta do Mundo "

Som  na  caixa ...
 

sábado, 27 de setembro de 2014

O SEMPRE AMOR

Fernanda  e Guilherme 

" Amor é a coisa  mais  alegre 
 amor é a coisa  mais triste 
amor  é  coisa  que  mais quero.
Por  causa  dele falo palavras  como  lanças .
Amor  é a coisa  mais alegre 
 amor é a coisa mais triste 
amor é coisa que mais quero .
Por  causa dele podem entalhar-me ,
sou de pedra-sabão .
Alegre  ou  triste ,
amor é coisa  que  mais quero ."

Adélia Prado 
in , " Reunião de poesia "

Hoje é aniversário da Fernanda , minha filha ,
e a página é para ela .
No som da caixa , está uma música tocada 
em seu casamento com Guilherme , há cinco anos .

Parabéns  , Fê !
Saúde e muito amor, sempre ,
com as bençãos de Deus .

Beijos de todos 

Som  na  caixa ...

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

POEMA DE HOJE ...

fine  art  photography 


" Tira-me  a luz  dos olhos : continuarei a ver-te ...
Tapa-me  os ouvidos : continuarei a ouvir-te ...
E embora sem pés  caminharei  para  ti ...
E já sem boca  poderei ainda convocar-te .
Arranca-me  os braços : continuarei  abraçando-te 
com  meu coração  como com a mão ...
Arranca-me  o coração : ficará o cérebro ,
E se o cérebro me incendiares  também por fim ,
Hei-de  então levar- te no meu sangue ."


Rainer Maria Rilke 
in , " O Livro de Horas " 


Som  na  caixa ...

sábado, 13 de setembro de 2014

FICOU VAZIO ...

Alexei  Antonov 

" Ficou vazio o teu lugar à mesa . 
Alguém veio dizer-nos 
que não regressarias ,
que ninguém regressa de tão longe .
E , desde  então , 
 as nossas  feridas  têm a espessura  
do teu silêncio , as visitas são desejadas 
apenas  a  outras  mesas .
Sob  a tua cadeira , o tapete continua 
engelhado , como  à tua ida .
Provavelmente ficará  assim  para sempre .

No  outro Natal , quando a casa se encheu 
por  causa das crianças  e um de nós 
ocupou a cabeceira ,
não cheguei  a saber 
se  era  para  tornar  a festa menos dolorosa ,
se  para voltar   a sentir o quente do teu colo ."    

Maria do Rosário Pedreira , 
que me encanta com seu lirismo ,
dedicou o poema à  Avó ,
no livro Poesia Reunida , 2012 .
Todos nós , com certeza , temos
aqueles que nos fazem falta à mesa .
É  para eles , também , o poema .

Som  na  caixa ....






domingo, 7 de setembro de 2014

A PAIXÃO GREGA

Elena  Taras 

" Li  algures  que os gregos antigos não escreviam necrológicos ,
quando  alguém  morria  perguntavam  apenas :
tinha  paixão ?
quando  alguém  morre também  eu  quero saber 
da qualidade  da  sua  paixão :
se  tinha  paixão  pelas coisas  gerais ,
água ,
música ,
 pelo talento de algumas palavras para se moverem no caos ,
pelo corpo salvo  dos seus próprios precipícios
  em  destino à glória ,
paixão pela paixão ,
tinha ?
e então indago de mim se eu próprio tenho paixão ,
se  posso morrer gregamente ,
que paixão ?
os grandes animais selvagens extinguem-se na terra ,
os grandes poemas  desaparecem nas grandes línguas 
que desaparecem ,
homens e mulheres  perdem  a  aura 
na usura ,
na política , 
no comércio ,
na indústria ,
dedos conexos ,
 há dedos que se inspiram  nos objetos à espera , 
trêmulos objetos  entrando e saindo
dos dez tão poucos dedos  para tantos 
objetos  do mundo 
e o que há  assim no mundo 
que responda à pergunta grega ,
poder  manter-se  a paixão  com fruta comida 
ainda  viva ,
e fazer  depois com sal grosso  uma canção curtida 
pelas cicatrizes ,
palavra soprada  a que forno com que fôlego ,
que alguém perguntasse : tinha paixão ?
afastem de mim  a pimenta do reino ,
 o gengibre ,  o cravo da índia ,
ponham  muito  alto  a música  e que eu dance ,
fluido , infindável ,
apanhado por toda a luz antiga e moderna ,
os cegos , os temperados , ah não ,
que ao menos me encontrasse a paixão 
e eu me perdesse nela 
a  paixão grega ."

Herberto Helder 
in , " A Faca Não Corta  o Fogo "

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sábado, 30 de agosto de 2014

PESSOA , SEMPRE ...

Mary  Jane Q Cross

 José Paulo Cavalcanti Filho , 
 jurista  e escritor brasileiro ,
 nascido  em Pernambuco em  1948 ,  
 trabalhou na biografia de Fernando Pessoa
  por quase dez anos e publicou 
" Fernando Pessoa -Uma Quase Autobiografia " ,
pela Editora Record , em 2011 , 
 que ganhou , merecidamente ,  vários prêmios .
Durante o tempo  que  consumiu
 escrevendo   a biografia ,
 José Paulo nos conta que , 
quis dividir o espanto que tantas vezes sentiu , 
ao ler os textos de Pessoa , com mais gente .
Assim , no começo meio por acaso , 
foi anotando frases que o poeta escreveu
 sobre os mais diversos assuntos .
Nascia , então ,
 o livro " Fernando Pessoa , o livro das citações "
publicado pela editora  Record , em 2013 .
Partilho com vocês  algumas citações .  


" Por que é que me chamaste para o alto dos montes 
Se  eu , criança das cidades do vale ,  não sabia respirar ?"
" Adiamento " , Álvaro  de Campos 

" Entre  mim  e a vida  há um vidro tênue .
Por  mais nitidamente  que eu veja e compreenda  a vida ,
eu não lhe posso tocar ."
" Livro do desassossego " , Bernardo Soares 

" A  luz  do  sol  vale mais que os pensamentos 
De  todos os filósofos e de todos os poetas "
"  O Guardados de Rebanhos " , Alberto Caeiro 

" Somos  estrangeiros onde quer que estejamos "
" Odes " , Ricardo Reis 

" Senhor , torna-me grande como o sol , para que te possa 
adorar em mim ;  e torna-me puro como a lua ,
 para que eu possa rezar  em mim ;
 e  torna-me claro  como o dia 
para que eu te possa ver  sempre  em  mim , 
e rezar-te e adorar-te ."
" Prece " , Fernando Pessoa 

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domingo, 24 de agosto de 2014

FILHOS ...

photo " net " 

" Filho  é  um  ser  que nos emprestaram  para um curso
intensivo  de como amar alguém  além de nós mesmos;
 de como  mudar  nossos piores defeitos  para darmos 
os melhores exemplos  e de aprendermos a ter coragem .
Isso mesmo !
Ser  pai ou mãe  é o maior ato de coragem  que 
alguém  pode ter , porque é se expor a todo tipo de
dor , principalmente da incerteza  de estar agindo
corretamente e do medo de perder algo tão amado. 
Perder ? Como ?
Não é nosso recordam-se ?
Foi apenas um empréstimo ." 

Este  texto que muito me agrada , tem circulado 
pela  WEB  e ,  erroneamente  atribuído a  Saramago .
A Fundação José  Saramago já se manifestou
negando-lhe  a autoria .
De quem será ?
Quanto à música do som na caixa , 
  " Aos Nossos Filhos ",
 com certeza , 
foi composta por  Ivan Lins e Vitor Martins ,
e interpretada  pela saudosa
Elis Regina . 

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domingo, 17 de agosto de 2014

POEMA DE HOJE ...

photo net 

" Tenho  arrumado  os   livros .
Tiro de uma prateleira  sem ordem  e coloco em outra 
com ordem . Ficam  espaços vazios .
Hora  em  hora . 
Não tenho te dito nada .
Ligo para os outros .
O que  eu poderia dizer é perigoso : certeza 
(  assim como eu disse : daqui dez anos estarei de volta )
de que nos reencontramos , cedo ou tarde .
Mas não sei mais quando .

Cedo ou tarde reencontro - o ponto
de partida . "

Ana Cristina César 
in , Poética .

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quinta-feira, 7 de agosto de 2014

É NESSE

photo by John Nell

" Há  sempre  um  ponto 
fora
um ponto além da tela 
da moldura 
da  armação  dos óculos 
um ponto além da linha do horizonte 
na quina alheia ao campo visual .
 E é  nesse ponto 
nesse ponto ausente 
que se atam os nós 
e traçam rumos das
coisas  por nascer 
ditas
destino ."

Marina  Colasanti 
in , "Fino  Sangue "

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terça-feira, 22 de julho de 2014

TRÊS NOMES

Alex  Alemany 


"  Assim  me  falou  o homem 
virtuoso  em sua  vida :
Deus  não é uma luz , 
desatenta mulher ,
Deus  é  pessoa .
Isto  pode  ser  um  poema 
sob três  nomes  viáveis : 
Aconselhamento espiritual ,
A  chave ,
Alvíssaras ,
coisas  que tanto abrem como fecham
uma  vida ,
um livro , 
um  entendimento ,
homem  que  se  ama escondido
e sem aviso te pede em casamento ."

Adélia  Prado ,
in " A duração  do dia " 

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sexta-feira, 11 de julho de 2014

WALY SALOMÃO

WALY  DIAS  SALOMÃO , baiano da cidade   de
Jequié , nasceu em 1943 
 e morreu  no Rio de Janeiro em 2003 .
Ícone  da contracultura  brasileira , ganha  um volume 
com toda  sua obra  reunida .
Poesia  Total  ,
 além dos livros  de Waly , 
reúne letras  inéditas e textos críticos   de
 Antonio Cícero , Francisco Alvim ,
Heloísa  Buarque de Holanda , entre outros .
O resultado contextualiza  historicamente 
 a obra  do poeta 
e dá a dimensão do seu gênio criativo . 

Escolhi partilhar com vocês  o poema Sargaços 
 que ele dedicou à Maria Bethânia 
 e que tem a epígrafe do poeta Rumi .
Também , no som da caixa  a música Mel
tem letra de Waly Salomão
e  música de Caetano Veloso .

Espero  que gostem .
Beijos .


photo  Net 

Sargaços 

Para  Maria Bethânia 

" Fatalismo significa dormir entre salteadores "
Jalâl  al -Din  al-Rumi , poeta  sufi


" Criar  é não se adequar  à vida  como ela é ,
Nem  tampouco  se  grudar às  lembranças pretéritas 
Que  não sobrenadam mais .
Nem  ancorar à beira-cais estagnado ,
Nem  malhar  a batida bigorna à beira-mágoa .

Nascer  não é antes , não é ficar  a ver  navios ,
Nascer  é depois , é nadar após  se afundar  e se afogar .
Braçadas  e mais  braçadas  até  perder  o fôlego .
( Sargaços  ofegam o peito opresso ),
Bombear gás do tanque de reserva localizado em algum ponto
Do corpo 
E não parar  de  nadar ,
Nem que se morra na praia  antes de alcançar o mar .

Plasmar 
bancos de areia , recifes de corais , ilhas , arquipélagos , baías ,
espumas  e salitres ,
ondas  e  maresias .

Mar  de  sargaços 

Nadar , nadar , nadar  e  inventar  a viagem , o mapa ,
o astrolábio  de  sete  faces ,
O zumbido dos ventos em redemunho , o leme , 
as velas , as cordas   .

Os  ferros , o júbilo  e  o  luto .
Encasquetar-se na captura da canção que inventa Orfeu 
Ou  daquela outra  que conduz  ao  mar  absoluto .

Só   e outros poemas 
Soledades 
Solitude , récif  , étoile .

Através  dos  anéis escancarados pelos velhos horizontes 
Parir ,
desvelar ,
desocultar  novos horizontes .
Mamar  o leite  primevo , o colostro ,  da Via Láctea .
E , mormente ,
remar  contra  a maré  numa  canoa  furada 
Somente
para  martelar  um padrão estoico-tresloucado 
De  desaceitar  o naufrágio .
Criar  é  se  desacostumar  do fado fixo 
E ser  arbitrário .

                                   Sendo  os  remos imaterias .

                                             (Remos figurados    no  ar 
                                                         pelos  círculos  das  palavras .)  "

Som    na  caixa ...