Jinchul Kim
" Perguntei com raiva : Porque logo comigo ?
Tanta gente no mundo , tantos caminhos e itinerários ,
porque aquela moça , cismara de escolher um descaminho ,
um autêntico fim de picada , um homem terminal que ,
na realidade , nem sequer começara ?
Ela contou uma história que parecia inventada na hora ,
atribuindo-a a uma amiga .
Decidi aceitá-la , embora sem acreditar nela .
Como num daqueles contos de Dickens , a história tinha início
num Natal . A menina pedira uma boneca de porcelana ,
sonhou com a boneca toda a noite ; quando acordou encontrou
ao seu lado uma bruxinha de pano .
Um monstrinho simpático , de pano preto , com a carne de
algodão cheia de caroços , os olhos eram duas linhas
vermelhas em forma de X .
A menina estranhou , teve vontade de chorar , mas acabou
aceitando a bruxinha .
Aos poucos se apaixonou por ela .
Tudo de bom ou de mau que lhe acontecia , a menina contava
para a bruxinha e a bruxinha entendia sua dor ou sua alegria .
Entendia até mesmo quando ela não tinha nada ,
nem dor nem alegria .
A menina cresceu ; quando casou levou a bruxinha consigo .
O marido reclamava , dormia com a mulher , mas a mulher
dormia agarrada à bruxinha de pano .
O marido viajou , foi à feira de Leipzig onde comprou
uma boneca de porcelana , coisa finíssima ,
de olhos azuis que abriam e fechavam ,
cabelos que pareciam de ouro .
A mulher continuou agarrada à bruxinha .
O marido se encheu e foi embora .
Ela chorou um pouco , mas logo sorriu :
a bruxinha continuava com ela .
Bem , a história é meio enigmática , nem chega a ser
bonita nem muito original .
Com medo de ter entendido errado , perguntei se a moça
me considerava uma bruxinha de pano .
Respondeu que não .
A bruxa de pano era ela .
Queria apenas que dormissem com ela todas as noites . "
Carlos Heitor Cony
Som na caixa ...