segunda-feira, 31 de maio de 2010

CÂNTICOS




Cânticos reúne vinte e seis poemas de Cecília Meireles ,


todos eles de caráter intimista e introspectivo ,


alguns com mote vinculado à eternidade e


à autodescoberta .



Cântico XIII




" Renova-te .


Renasce em ti mesmo .


Multiplica os teus olhos , para verem mais .


Multiplica os teus braços para semeares tudo .


Destrói os olhos que tiverem visto .


Cria outros , para as visões novas .


Destrói os braços que tiverem semeado ,


Para se esquecerem de colher .


Sê sempre o mesmo .


Sempre outro .


Mas sempre alto .


Sempre longe .


E dentro de tudo ."





Cântico IV




" Tu tens um medo :


Acabar .


Não vês que acabas todo dia .


Que morres no amor .


Na tristeza .


Na dúvida .


No desejo .


Que te renovas todo dia .


No amor .


Na tristeza .


Na dúvida .


No desejo .


Que és sempre outro .


Que és sempre o mesmo .


Que morrerás por idades imensas .


Até não teres medo de morrer .


E então serás eterno . "

CECÍLIA MEIRELES



Cecília Meireles nasceu no Rio de Janeiro
em 07 de novembro de 1901 , três meses após a
morte de seu pai . Antes de completar três anos
de idade , perdeu sua mãe , passando então a morar
com sua avó materna , única pessoa sobrevivente da família .

Escreveria mais tarde :

(...)" Minha infância de menina sozinha
deu-me duas coisas que parecem negativas ,
e foram sempre positivas para mim : silêncio e solidão .
Essa foi sempre a área de minha vida .
Área mágica , onde caleidoscópios inventaram fabulosos
mundos geométricos , onde os relógios revelaram
o segredo do seu macanismo , e as bonecas o jogo do seu olhar .
Mais tarde foi nessa área que os livros se abriram ,
e deixaram sair suas realidades e seus sonhos ,
em combinação tão harmoniosa que até hoje
não compreendo como se possa estabelecer uma
separação entre esses dois tempos de vida ,
unidos como os fios de um pano . "

sexta-feira, 28 de maio de 2010

PAULO LEMINSKI



" No fundo , no fundo ,


bem lá no fundo ,


a gente gostaria


de ver nossos problemas


resolvidos por decreto


a partir desta data


aquela mágoa sem remédio


é considerada nula


e sobre ela - silêncio perpétuo


extinto por lei todo remorso


maldito seja que olhar pra trás ,


lá pra trás não há nada ,


e nada mais


mas problemas não se resolvem ,


problemas têm família grande ,


e aos domingos saem todos a passear


o problema , sua senhora


e outros pequenos probleminhas ."

quinta-feira, 27 de maio de 2010

FAÍZA HAYAT




" ( ...) Medito muito enquanto nado .

Nado para melhor pensar .

Foi desta forma , nadando , que esta manhã

descobri a semelhança entre os livros e os homens .

Há livros que compro apenas porque me agrada a

arte gráfica e a qualidade do papel , mesmo sabendo ,

evidentemente , que o importante é o texto .

O texto pode ser fixado em vários tipos de suporte ,

em pedra , em papel , em fita magnética ou no

disco rígido de um computador .

O texto é , enfim , a alma de um livro .

Da mesma forma , há homens que seduzem

pelo esplendor da capa , a elegância

da tipografia - e depois o texto não corresponde .

São maus romances bem encadernados .

Outros , pelo contrário , tiveram pouca sorte

com a editora , quase não reparamos neles ,

e depois surpreendem-nos com a qualidade do texto ,

a originalidade do enredo , o vigor das metáforas ."

in , " O evangelho segundo a serpente ."



" A vida a gente é quem decide . "




" ( ...)

No dia em que completava 102 anos ,


sentada à mesa de sua cozinha , ajudando filhas


e empregadas a preparar o almoço , uma dama


perfeitamente lúcida fez esse comentário ,


e acrescentou :


" Eu escolhi a felicidade ."


Entrevistada , explicou que não se tratava de não


ter problemas , mas de " não ter pena de si mesma ,


não desconfiar de tudo , e não alimentar demais


a raiva , porque ela rói o coração ."


Quase no final de uma trajetória excepcionalmente


longa ,essa velha dama não se lamentava pelo


que havia perdido ,os amados mortos ,


a saúde fragilizada ,não poder mais caminhar sozinha ,


nem dançar , mas dava seu recado :


a vida , em boa parte , são as nossas decisões .


E se não podemos mudar os fatos , podemos administrar


nosso jeito de lidar com eles ."



Lya Luft, in " Múltipla escolha "

terça-feira, 25 de maio de 2010

A BELA CENA



" ( ...)

Amamos a bela cena antes de amar a pessoa .

Amamos a pessoa porque ela completa a bela cena .

Somos amantes antes de encontrar com a mulher ou

com o homem que será objeto de nosso amor .

A alma é uma coleção de belos quadros adormecidos ,

seus rostos envoltos pela sombra .

Sua beleza é triste e nostálgica porque sendo moradores

da alma ao lado dos sonhos ,

eles não existem do lado de fora.

Vez por outra , entretanto ,

defrontamo-nos com um rosto ,

apenas uma voz , um olhar , um gesto com a mão ...

que , sem razões , ilumina um dos quadros que

estava escuro .

Somos então possuidos pela certeza de que esse

rosto mora nas sombras da alma .

O corpo estremece .

A paixão está nascendo ."



Rubem Alves, in " Cantos do Pássaro Encantando ."

COM LICENÇA POÉTICA



" Quando nasci um anjo esbelto

desses que tocam trombeta , anunciou :

vai carregar bandeira .

Cargo muito pesado pra mulher ,

esta espécie ainda envergonhada .

Aceito os subterfúgios que me cabem ,

sem precisar mentir .

Não sou tão feia que não possa casar ,

acho o Rio de Janeiro uma beleza e

ora sim , ora não , creio em parto sem dor .

Mas o que sinto escrevo . Cumpro a sina .

Inauguro linhagens , fundo reinos

- dor não é amargura .

Minha tristeza não tem pedigree ,

já a minha vontade de alegria ,

sua raiz vai ao meu mil avô .

Vai ser coxo na vida é maldição pra homem .

Mulher é desdobrável . Eu sou "



Adélia Prado

domingo, 23 de maio de 2010

Miguel Sousa Tavares




" (...)

E de novo acredito que nada do que é importante

se perde verdadeiramnete .

Apenas nos iludimos ,julgando ser donos das coisas ,

dos instantes e dos outros .

Comigo caminham todos os mortos que amei ,

todos os amigos que se afastaram , todos os dias felizes

que se apagaram .

Não perdi nada , apenas a ilusão que tudo podia

ser meu para sempre ."


in " Eternamente "

Caio Fernando Abreu



" Não sei , deixo rolar .

Vou olhar os caminhos ,

o que tiver mais coração eu sigo ."

O Fato e a Foto



" ( ....)

É assim mesmo ,

ninguém sente o tempo passar ,

e não fora o olhar estrangeiro ,

que nos torna estrangeiros a nós mesmos ,

morreríamos jovens como sempre fomos .

Até o dia fatídico em que uma foto perdida


no fundo da gaveta machuca com a evidência

da passagem do tempo .

E pouco importa se você tem quarenta anos,

se a foto foi tirada aos vinte .

Sempre se é velho para alguém mais moço .

O envelhecimento é um fato e uma foto ."



Rosiska Darcy de Oliveira , in " Chão de terra "





terça-feira, 18 de maio de 2010

MANUEL BANDEIRA E MEU NOME ...




" Muitas vezes a beira mar

Sopra um fresco alento de brisa

Que vem do largo a suspirar ...

Assim é teu nome , Marisa ,

Que principia igual ao mar

E acaba mais suave que a brisa ."

sábado, 15 de maio de 2010

ALBERTO CAEIRO




in , " O Guardador de Rebanhos "

" O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia ,


Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia


Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia .


O Tejo tem grandes navios


E navega nele ainda ,


Para aqueles que vêem em tudo o que lá não está ,


A memória das naus .


O Tejo desce de Espanha


E o Tejo entra no mar em Portugal .


Toda gente sabe isso .


Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia


E para onde ele vai


E donde ele vem .


E , por isso porque pertence a menos gente ,


É mais livre e maior o rio da minha aldeia .


Pelo Tejo vai-se para o Mundo .


Para além do Tejo há a América


E a fortuna daqueles que a encontram .


Ninguém nunca pensou no que há para além


Do rio da minha aldeia .


O rio da minha aldeia não faz pensar em nada .


Quem está ao pé dele está só ao pé dele ."

Ricardo Reis



in , " Odes de Ricardo Reis "

" Para ser grande , sê inteiro : nada

Teu exagera ou exclui .

Sê todo em cada coisa .

Põe quanto és

No mínimo que fazes .

Assim em cada lago a lua toda

Brilha , porque alta vive ."

Brilhantes heterônimos de Fernando Pessoa



Álvaro de Campos

Poema em linha reta


" Nunca conheci quem tivesse levado porrada .

Todos meus conhecidos tem sido campeões em tudo .

E eu , tantas vezes reles , tantas vezes porco , tantas vezes vil ,

Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita ,

Indesculpavelmente sujo ,

Eu , que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho ,

Eu , que tantas vezes tenho sido rídiculo , absurdo ,

Que , tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas ,

Que , tenho sido grotesco , mesquinho , submisso e arrogante ,

Que , tenho sofrido enxovalhos e calado ,

Que , quando não tenho calado, tenho sido mais rídiculo ainda;

Eu , que tenho sido cômico às criadas de hotel ,

Eu , que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes ,

Eu , que tenho feito vergonhas financeiras , pedido emprestado sem pagar ,

Eu , que quando a hora do soco surgiu , me tenho agachado ,

Para fora da possibilidade do soco ;

Eu , que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas rídiculas ,

Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo .

Toda a gente que fala comigo

Nunca teve um ato rídiculo , nunca sofreu enxovalho ,

Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida ...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana ,

Que confessasse não um pecado , mas uma infâmia ;

Que contasse , não uma violência , mas uma cobardia !

Não , são todos o Ideal , se os oiço e me falam .

Quem há neste largo mundo que me confesse que alguma vez foi vil ?

Ó príncipes , meus irmãos

Arre ! Estou farto de semideuses !

Onde é que há gente no mundo ?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra ?

Poderão as mulheres não os terem amado ,

Podem ter sido traídos - mas rídiculos nunca !

E eu , que tenho sido rídiculo sem ter sido traído ,

Como posso eu , falar com meus superiores sem titubear ?

Eu que tenho sido vil , literalmente vil ,

Vil no sentido mesquinho e infame da vileza ."

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Ainda Clarice , no mesmo texto



" Quanto a meus filhos ,

o nascimento deles não foi casual.

Eu quis ser mãe.

Meus dois filhos foram gerados voluntariamente .

Os dois meninos estão aqui , ao meu lado .

Eu me orgulho deles, eu me renovo neles ,

eu acompanho seus sofrimentos e angústias ,

eu lhes dou o que é possível dar .

Se eu não fosse mãe , seria sozinha no mundo .

Mas tenho uma descendência e para eles no futuro

eu preparo meu nome dia a dia .

Sei que um dia abrirão as asas para vôo necessário ,

e eu ficarei sozinha .

É fatal , porque a gente não cria os filhos para a gente ,

nós os criamos para eles mesmos .

Quando eu ficar sozinha ,

estarei cumprindo o destino de todas as mulheres ."

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Clarice Lispector , sempre brilhará !



" Há três coisas para as quais eu nasci e

para as quais eu dou minha vida .

Nasci para amar os outros , nasci para escrever, e

nasci para criar meus filhos.

O "amar os outros " é tão vasto que inclui até

perdão para mim mesma , com o que sobra .

As três coisas são tão importantes que minha vida

é curta para tanto .

Tenho que me apressar , o tempo urge .

Não posso perder um minuto do tempo que

faz minha vida .

Amar os outros é a única salvação individual

que conheço :

ninguém estará perdido se der amor e às vezes

receber amor em troca."


Clarice Lispector , na crônica " As três experiências ".

O brilho nosso de cada dia




"Brihar pra sempre

Brilhar como um farol

Brilhar com brilho eterno

Gente é pra brilhar

Que tudo mais vá pro inferno

Este é o meu slogan e o do sol."


Maiakovski