Mostrando postagens com marcador Jorge Luis Borges. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Jorge Luis Borges. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 7 de maio de 2012

DIZ- ME POR FAVOR ONDE NÃO ESTÁS



 " Diz-me por favor onde não estás
em qual lugar posso não te ver,
onde posso dormir sem te lembrar
e onde relembrar sem que me doa.

Diz-me por favor onde posso caminhar
sem encontrar as tuas pegadas,
onde posso correr sem que te veja
e onde descansar com a minha tristeza.

Diz-me por favor qual é o céu
que não tem o calor do teu olhar
e qual é o sol que tem luz apenas
e não a sensação de que me chamas.

Diz-me por favor qual é o lugar
em que não deixaste a tua presença.
Diz-me por favor onde no meu travesseiro
não tem escondida uma lembrança tua.

Diz-me por favor qual é a noite
em que não virás velar meus sonhos.
Que não posso viver porque te espero
e não posso morrer porque te amo."
 
 
Jorge  Luis  Borges

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Soneto do vinho



" Em que reino , em que era ,sob qual silenciosa

conjunção das estrelas , em que secreto dia

jamais inscrito em mármore , surgiu a portentosa

e singular , ideia de inventar a alegria ?

Com outonos de ouro a inventaram . O vinho

flui escarlate no decorrer das gerações

como o rio do tempo e em seu árduo caminho

dá-nos a sua música , seu fogo e seus leões .

Na noite jubilosa ou na jornada adversa

exalta a alegria ou mitiga o espanto

e o ditirambo novo que neste dia lhe canto

outrora foi cantado pelo árabe e o persa .

Vinho , mostre-me a arte de ver minha própria

história

como se ela já fosse cinza na memória ."



Jorge Luis Borges , in " o outro , o mesmo "

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Os justos




" Um homem que cultiva seu jardim ,

como queria Voltaire .

O que agradece que na terra haja música.

O que descobre com prazer uma etimologia.

Dois empregados que num café do Sur jogam

um silencioso xadrez .

O ceramista que premedita uma cor e uma forma .

O tipógrafo que compõe bem esta página ,

que talvez não lhe agrade .



Uma mulher e um homem que leem os tercetos

finais de um certo canto .

O que acaricia um animal adormecido .

O que justifica ou quer justificar um mal

que lhe fizeram .

O que agradece que na terra haja Stevenson .

O que prefere que os outros tenham razão .

Essas pessoas , que se ignoram ,

estão salvando o mundo ."



Jorge Luís Borges

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Tempo ...



" Ainda que os anos de tua vida sejam tres mil

ou dez vezes tres mil , lembra-te que ninguém perde

outra vida senão a que vive agora , nem vive outra

senão a que perde . O prazo mais longo e o mais

breve são , portanto , iguais .

O presente é de todos ; morrer é perder o presente ,

que é um lapso brevíssimo .

Ninguém perde o passado nem o futuro ,

pois a ninguém podem tirar o que não tem .

Lembra-te que todas as coisas giram e voltam

a girar pelas mesmas órbitas e que para o

espectador é indiferente vê-la um século ou

dois ou indefinidamente ."



Jorge Luis Borges , in " História da Eternidade "

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Jorge Luis Borges



Somos rios


"Somos o tempo . Somos a famosa

parábola de Heráclito o Obscuro .

Somos a água , não o diamante duro ,

a que se perde , não a que repousa .

Somos o rio e somos aquele grego

que se olha no rio . Seu semblante

muda na água do espelho mutante ,

no cristal que muda como o fogo .

Somos o vão rio prefixado ,

rumo a seu mar . Pela sombra cercado .

Tudo nos disse adeus , tudo nos deixa .

A memória não cunha sua moeda .

E no entanto há algo que se queda

e no entanto há algo que se queixa ."

quinta-feira, 24 de março de 2011

Borges nos conta :



" Há aqueles que não podem imaginar

um mundo sem pássaros ;

há aqueles que não podem imaginar um

mundo sem água ;

ao que me refere , sou incapaz de imaginar

um mundo sem livros ."



Jorge Luis Borges

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Nuvens ( I )


" Não há uma só coisa que não seja

nuvem . Assim são essas catedrais

de vasta pedra e bíblicos cristais

que o tempo alisa .

A Odisséia , veja , muda como o mar ;

há algo distinto a cada vez que a abrimos .

Seu velho rosto já é outro , visto

no espelho , e o dia é um duvidoso

labirinto . Somos os que se vão .

A volumosa nuvem que se desmancha no

poente é a nossa imagem .

Incessantemente a rosa se converte em

outra rosa .


Você é nuvem , mar, esquecimento.

E é o que perdeu a cada momento. "


Jorge Luis Borges

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Jorge Luis Borges : O mar



" Antes que o sonho ( ou o terror ) tecesse

mitologias e cosmogonias ,

antes que o tempo se cunhasse em dias ,

o mar , o sempre mar , já estava e era .


Quem é o mar ? Quem é o violento

e antigo ser que corrói os pilares

da Terra e é um mar e muitos outros

e abismo e resplendor e acaso e vento ?

Quem o olha o vê pela primeira

vez , sempre . Com o assombro que as coisas

elementares deixam , as formosas

tardes , a lua , o fogo , uma fogueira .


Quem é o mar , quem sou ? Só saberei

no dia ulterior ao da agonia ."


in , Jorge Luis Borges , " O outro , o mesmo ."