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domingo, 31 de janeiro de 2021

ANSEIOS


Jinchul  Kim 

" Só quero lembrar 
se o tempo for todo meu .

Só anseio lembrança 
se não houver  passado .

Bruma  e espuma ,
apagam o tempo que não  amei .

E eu amei 
para ser tudo , todos , sempre .

Para te visitar 
esquecerei a terra
e apagarei as estrelas .

E irei pelos teus olhos ,
até o mundo voltar a ter princípio .

Sou eu , dirás 
e o tempo será lembrado ."

Mia   Couto 
in , " Tradutor  de Chuvas "  

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sábado, 5 de outubro de 2019

MIA COUTO

Duy Huynh 

" Para sempre me ficou  este abraço .
Por via desse cingir  de corpo minha vida se mudou .
Depois desse abraço , trocou-se , no mundo ,
o  fora pelo dentro .
Agora , é dentro que tenho pele .
Agora , meus olhos se abrem  apenas para as funduras 
da alma .
Nesse reverso , a poeira da rua me suja é o coração .
Vou perdendo noção de mim ,vou desbrilhando . 
E se eu peço que ele regresse  é para sua mão peroleira 
me descobrir ainda cintilosa por dentro .
Todo este tempo madreperolei , me enfeitei de lembrança.

in , " Na berma de nenhuma estrada "  

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domingo, 2 de setembro de 2018

MIA COUTO , SEMPRE

Anna  e Elena  Balbusso 

" Aguardo-te 
como o barro espera a mão .

Com  a mesma saudade 
que a semente sente do chão .

O tempo perde a fonte 
e a manhã 
nasce  tão exausta 
que a luz chega apenas pela noite .

O relógio tomba 
E  o ponteiro se crava 
No centro do meu peito .

Fui morto pelo tempo
No dia que te esperei ."

"   A espera " 
in , Idades Cidades  Divindades  

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quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

INUNDAR DE INFÂNCIA

Graciela Rodo Boulanger 

" Hoje acordei sem dia ,
a casa sem lar ,
a cama sem leito .

Hoje  acordei sem mim .

Saí  à rua ,
para  me deixar possuir 
pela simples leveza de existir .

Crianças passaram por mim ,
aos bandos de espantar ,
com folias e desmandos ,
nessa fabricação de milagres 
que é o absoluto brincar .

Dentro de mim 
o universo se dissolveu 
e um respirar de céu 
em meu peito se inundou .

Seria a Vida ,
seria o Tempo sem nostalgia ,
ou seria ,  apenas, a poesia ? 

Sei que havia um fluir de rio 
levando antiquissimas  dores .

E do cristal de tristeza 
que antes me negava o ar ,
desse nó de vazio , 
voltou a nascer  o mar . "

Mia Couto ,
in " vagas e lumes "


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quinta-feira, 27 de abril de 2017

ANSEIOS

Jean Paul Nacivet

" Só quero lembrar
se o tempo for todo meu .

Só anseio lembrança
se não houver passado .

Bruma e espuma ,
apagam o tempo que não amei .

E eu amei 
para ser tudo , todos ,  sempre .

Para te visitar
esquecerei a terra
e apagarei as estrelas .

E irei pelos teus olhos,
até o mundo voltar a ter princípio .

Sou eu , dirás ,
E o tempo será lembrado ."

Mia Couto 
in , Tradutor de Chuvas "

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.






sexta-feira, 22 de julho de 2016

A CASA

Yuri Obuhovskiy

" Sei  dos filhos 
pelo modo como ocupam a casa :
uns buscam os recantos ,
outros existem à mesa .

A uns satisfaz  uma sombra ,
a outros  nem o mundo basta .
Uns batem com a porta ,
outros hesitam como se não houvesse saída .

Raras vezes , sou pai .
Sou sempre todos os meus filhos ,
sou  a mão indecisa  no fecho ,
sou a noite passada entre relógio e escuro .

Em mim ecoa a voz 
que , à entrada , se anuncia : cheguei !
E eu sorrio , de resposta : chegou ?
Mas  se nunca ninguém partiu ...

E tanto em mim 
demoram as esperas 
que me fui trocando por soalho 
e me converti em sonholenta  janela .

Agora , eu mesmo sou a casa ,
essa infatigável casa 
a que meus filhos
eternamente regressam . "

Mia Couto ,
in " Poemas  Escolhidos "

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,

domingo, 27 de setembro de 2015

MUDANÇA DE IDADE

Fernanda 

" Para  explicar  os excessos do meu irmão 
a minha mãe dizia : 
está na mudança de idade .
Na  altura ,
eu não tinha idade  nenhuma 
e o tempo era todo meu .
Despontavam  borbulhas 
 no rosto do meu irmão,
eu  morria de inveja 
enquanto me perguntava :
em que idade  a idade muda ?
Que vida ,
escondida de mim, vivia nele ?
Em que adiantada estação 
o tempo  lhe vinha  comer à mão ?
Na espera de recompensa ,
eu à lua pedia outra idade .
Respondiam-me batuques 
mas vinham de longe ,
  de  onde  já não chega o luar .
Antes de dormirmos 
a mãe vinha esticar os  lençóis 
que era um modo 
de beijar  o nosso sonho .
Meu  anjo ,  não durmas triste , pedia .
E eu não sabia 
se era comigo  que ela falava .
A tristeza , dizia ,
é uma doença envergonhada .  
Não aprendas a gostar
dessa doença .
As  suas palavras 
soavam mais longe 
que os tambores noturnos .
O que invejas , falava a mãe , 
não é a idade .
É  a vida 
para  além do sonho .
Idades  mudaram-me ,
calaram-se os tambores ,
na lua se anichou a materna voz .
E eu já nada reclamo.
Agora  sei :
 apenas o amor nos rouba o tempo .
E  ainda hoje 
estico os lençóis  antes de adormecer ."

Mia Couto ,
in " Tradutor de Chuvas "

A página de hoje com este belíssimo 
poema  é  para  a  Fernanda ,
 minha filha;nossa médica ,
 que hoje muda de idade .
Parabéns  !
 Saúde ,  Amor e Sucesso ,
na profissão que com fé abraçou .
Tudo com as bençãos de  Deus .
Beijos de todos nós ,
familiares e amigos .

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sábado, 19 de setembro de 2015

SAUDADE

Josephine Wall

" Que  saudade 
tenho de nascer .
Nostalgia 
de esperar por um nome 
como quem volta 
à  casa  que nunca ninguém habitou .
Não precisas da vida , poeta .
Assim falava a avó .
Deus vive por nós , sentenciava .
E regressava às orações .
A casa voltava  
ao ventre do silêncio 
e dava vontade de nascer .
Que saudade 
tenho de Deus ."

Mia Couto 
in , " Tradutor  de Chuvas "

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sábado, 23 de maio de 2015

A SAIA ALMARROTADA

Madalina  Iordoche -Levay

( ...)

"Na  minha vila , a única do mundo , as mulheres 
sonhavam com vestidos  novos  para saírem .
Para  serem abraçadas  pela felicidade .
A mim , quando deram a saia de rodar , 
eu  me tranquei  em casa .
mais que fechada , me apurei invisível ,
eternamente noturna .
Nasci para cozinha ,  pano e pranto .
Ensinaram-me tanta vergonha  em sentir
prazer , que acabei sentindo prazer em
ter vergonha .
Por  isso , perante a oferta do vestido , 
fiquei  dentro , no meu ninho ensombrado .
No dia seguinte , as outras chegariam e me
falariam do baile , das lembranças cheias
de riso matreiro .
E nem  inveja  sentiria .

( ...)

Na  minha  vila  as  mulheres  cantavam .
Eu  pranteava .
Apenas quando chorava me sobrevinham belezas .
Só  a lágrima  me desnudava , só ela me enfeitava .

( ...)

Chega-me ainda a voz de meu velho pai como se
ele  estivesse  vivo .
Era  essa  voz que fazia Deus  existir .
Que  me  ordenava que ficasse feia ,
 desviçosa a vida  inteira .
Eu  acreditava que nada era mais antigo 
que meu pai .
Sempre  ceguei em obediência ,
 enxotando  tentações  que piripilampejavam
a minha meninice .
Obedeci mesmo quando ele ordenou :
Vá  lá fora e pegue fogo neste vestido !
Eu  fui ao pátio com  a prenda que meu tio 
secretamente  me havia oferecido .
Não  cumpri .
Guiaram-me  os mandos do diabo  e ,
numa cova  ocultei esse enfeite .

( ...)

E  pergunto : posso agora , meu pai ,
agora que já tenho mais rugas que pregas tem
esse vestido , posso agora me embelezar de vaidades ?
Fico  à  espera de sua autorização  enquanto vou ao
pátio  desenterrar o vestido do baile que não houve .
E visto-me  com ele , me resplandeço ante o espelho ,
rodopio  para enfunar a roupa .
Uma diáfana música me embala pelos corredores 
da  casa .
Agora , estou sentada , olhando a saia rodada ,
a saia amarfanhosa , almarrotada    .
E parece  que me sento  sobre minha própria vida . "

Mia  Couto ,
in , "  O  Fio das Missangas "

Conheci  o premiado escritor Mia Couto ,
há alguns anos ,  lendo   
" O Fio das Missangas ".
A  cada  conto , a poeticidade  com que ele manejava
as palavras  e colocava as metáforas , fazia toda
diferença  na configuração do texto  trazendo um
colorido único que me encantou .
 Foi  paixão  à primeira leitura .
Desde então ,  seus livros sempre me fazem companhia .
Divido com vocês excertos do conto ", " A saia almarrotada "
que já havia publicado em setembro de 2010 .

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quinta-feira, 26 de junho de 2014

MAR ME QUER



A escrita de Mia Couto me fascina .
A reinvenção das palavras  e  suas metáforas .
Partilho com vocês ,  pequenos  fragmentos   da novela  
  "  MAR  ME QUER "  , onde é contada 
a história de Dona Luarmina e Zeca Perpétuo .


( ...)

"Lançamos  o  barco , sonhamos a viagem :
quem viaja é sempre o mar .
(  dito de meu avô Celestiano ) 


(...)

 Sou  feliz  só  por preguiça .
A infelicidade dá uma trabalheira 
pior que doença : é preciso entrar e sair dela ,
afastar  os que nos querem consolar , 
aceitar pêsames por uma porção da alma 
que nem chegou a falecer .
(...)
Minha  vizinha reclama  não haver homem
com miolo tão miúdo como eu .
Diz que nunca viu pescador  deixar escapar
tanta maré :
- Mas  você  Zeca :
 é que não faz nem ideia  da vida .
- A vida Dona Luarmina ?
A vida é tão simples que ninguém a entende .
É como dizia meu avô Celestiano sobre pensarmos
Deus  e não- Deus... 
Além  disso , pensar traz muita pedra 
e pouco caminho .
Por isso eu , um reformado do mar ,
 o que me resta fazer ? 
Dispensado de pescar me dispenso de pensar .
Aprendi nos muitos anos de pescaria :
o tempo anda por ondas .
A gente tem é que ficar levezinho  e sempre
apanha boleia numa destas ondeações .

 ( ...)

Hoje  sei como se mede a verdadeira idade :
vamos ficando velhos  quando não fazemos 
novos amigos . Estamos morrendo a partir
do momento que não nos apaixonamos .

( ...) 

E  até que dona Luarmina , aliás 
Albertina da Conceição Melistopolus  , 
já foi bela de espantar homenzarrada .
(...) 
 Restava-me    a  presente figura 
de Luarmina ,  gorda e engordurada .
A mulher  por  razões  de  angústia 
se deixara  acumular , quilos 
sobre  peso . Eu  entendo : 
uma boa maneira de esconder a tristeza 
é cobrirmo-nos  de carne .
O sofrimento é fatal quando atinge
os ossos .
Chegada  aí , a tristeza se apressa
em virar esqueleto .
Sábio é dar cobertura ao corpo ,
intermediar gordurosas fronteiras .
(...)  Já  faz anos que rondopio à volta
da viúva . Arrisco mesmo perder
 plumagens nesta  insistência .
A estratégia é lhe contar minhas
aventuras : invento fatos passados
em minhas atribulações marinhas .
Mas não são aventuras que a fazem sonhiscar .
O que dona Luarmina me  solicita são 
exatas  memórias .
E isto é o que eu menos quero .
(...) 
 Saudades , em mim , nunca têm  pressa .
Demoram tanto que nunca chegam .
Só quando eu danço me liberto do tempo
- esvoam as memórias , levanto voo 
de mim .
Eu devia  era dançar o tempo todo ,
dançar para ela , dançar com ela .

(...)
Insisto com dona Luarmina :, ela não me peça
lembranças . Eu quero matar o passado,
esta mulher tem que me deixar cometer este
crime .Caso  senão  é o passado que me
 mata a mim .
-Você Zeca , tem raiva do passado ,
tem ciúme do futuro , vai viver só nos agoras ?
Reformado das pescas  nem no presente
tenho cabimento .
Enquanto andava no mar ,embalado  em meu 
barco  , eu não sofria o tempo .
Porque esta ondeação  era , afinal , uma dança .
E a dança , já disse ,é a melhor maneira
de fugir do tempo .

(...) 

Luarmina  se entranhou na sua  pequena
mania , como se descosturasse um 
pano  nenhum : 
  Mar  me quer  , bem me quer ...
Este  era  o contochão de Luarmina ,
o infindo rameramejar  dela .
Todos fins de tarde , a mulata fica sentada 
num degrau da varanda  e vai desfolhando 
infinitas  flores . Ao fim de um tempo ,
todo o pátio está forrado a pétalas ,
o chão espantado a mil cores ."



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quarta-feira, 18 de setembro de 2013

MIA COUTO

Lauri  Blank
 
(...)
 
" Deslumbrar , como manda a palavra ,
deveria ser  cegar , retirar  a luz .
E afinal era agora  um ofuscamento que eu pretendia .
Essa  alucinação que uma vez sentira , eu sabia ,
era viciante  como morfina .
O amor é uma morfina .
Podia ser comerciado em  embalagens  sob o nome :
Amorfina " .
 
in ,  " Antes de nascer o mundo "
 
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sexta-feira, 7 de junho de 2013

PERFUME

Paul  Van Ginkel
 
" Não  aprendi  a colher flor
sem esfacelar  as pétalas .
Falta-me  o dedo menino
de quem costura desfiladeiros .
 
Criança , eu sabia 
suspender o tempo ,
soterrar  abismos 
e nomear  as estrelas .
Cresci ,
perdi pontes ,
esqueci sortilégios .
 
Careço  da habilidade  da onda
hei de aprender  a carícia da brisa.
 
Tremula , a haste  
me pede
o  adiar  da noite .
 
Em véspera  da dádiva ,
a faca  me  recorda , no gume do beijo
a aresta do adeus .
 
Não , não aprenderei
nunca decepar flores  .
 
Quem sabe , um dia ,
eu , em mim , colha um jardim ?
 
Mia  Couto
 
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segunda-feira, 8 de abril de 2013

MIA COUTO

Sandra  Bierman
 
( ...) 
"  Todos  sabemos , por exemplo , que o céu 
  ainda não está  acabado .
São  as  mulheres  que , desde há milênios ,
vão tecendo este infinito véu .
Quando os seus ventres se arredondam  , uma
porção de céu  fica acrescentada .
Ao inverso , quando perdem um filho ,
este pedaço de firmamento volta a definhar ."
 
in , " A confissão da leoa "
 
 

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

NÃO SÃO SÓ OS LIVROS QUE SE LÊEM

Joseph Lorusso
 
(...)
 
" Falamos  em  ler  e  pensamos  apenas  nos  livros ,
nos  textos  escritos .
O  senso  comum  diz  que  lemos  apenas  palavras .
Mas a  idéia  de  leitura  aplica-se 
 a  um  vasto universo .
Nós  lemos  emoções  nos  rostos ,
 lemos os sinais  climáticos nas  nuvens ,
lemos  o  chão , lemos  o Mundo ,
lemos  a Vida .  Tudo pode ser página .
Depende apenas  da intenção de descoberta
 do nosso olhar .
Queixamo-nos  de  que  as  pessoas  não lêem livros .
Mas  o déficit  de  leitura  é muito mais geral .
Não  sabemos  ler  o  mundo , não lemos  os  outros ."
 
Mia  Couto ,
in "   E  se Obama  fosse  africano ? "  

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

O BEIJO E A LÁGRIMA

Laura  Leight Mccall
 
" Quero  um  beijo , pediu ela
Um sismo abalou o peito dele .
 
E devotou  o calor
de lava dos seus lábios ,
entontecida água na cascata .
 
Entusiasmado ,
ele se preparou , para de novo ,
duplicar  o  corpo e regressar à  vertigem do beijo .
 
Mas  ela o fez  parar .
 
Só  queria um beijo .
Um  único  beijo  para  chorar .
 
Há  anos  que  não  pranteava .
E  sua  alma  se  convertia
  em  areia do deserto .
 
Encantada ,
ela no dedo recolheu a lágrima .
E  se  repetiu  o  gesto
com  que  Deus  criou  o  Oceano ."
 
 
Mia  Couto

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

CITAÇÃO DO DIA ...

Anna  Razumouskaya  
 
" Só  há  um  modo de escapar de um lugar :
é  sairmos de nós .
Só há  um modo de sairmos de nós :
 é amarmos alguém ."
 
Mia Couto ,
in " A confissão da leoa "

domingo, 9 de dezembro de 2012

MIA COUTO

Lauri Blank
 
" Para  sempre  me  ficou  este  abraço .
 Por via desse cingir de corpo minha vida  se mudou .
Depois desse abraço , trocou-se , no mundo ,
 o fora pelo dentro .
Agora , é dentro que tenho pele .
Agora , meus olhos se abrem  apenas
 para  as funduras da alma .
 Nesse  reverso, a poeira da rua me suja  é o coração .
 Vou  perdendo  noção de mim , vou desbrilhando .
E  se  eu  peço  que  ele regresse  é 
 para  sua  mão peroleira
me  descobrir  ainda cintilosa por dentro .  
Todo este  tempo me madreperolei  ,
 me enfeitei de lembrança. "
 
 
in , " Na Berma  de Nenhuma Estrada "


terça-feira, 13 de novembro de 2012

A DEMORA

Lauri Blank
 
" O  amor  nos  condena :
demoras
mesmo quando  chegas  antes .
Porque não é no tempo que eu te espero .
 
Espero-te  antes  de  haver  vida
e  és tu  quem faz  nascer  os  dias .
 
Quando  chegas
já  não sou senão saudade
e  as  flores
 tombam-me dos braços   
para  dar  cor  ao  chão em que te ergues .
 
Perdido  o  lugar
em que te aguardo,
só me resta água no lábio
para aplacar  a  tua  sede .
 
Envelhecida  a  palavra ,
tomo a lua por minha boca
e a noite , já sem voz
se vai despindo em ti .
 
O  teu vestido tomba
e é uma nuvem .
O  teu corpo se deita no meu ,
um  rio  se  vai  aguando até ser  mar ."
 
 
Mia  Couto
 

sábado, 13 de outubro de 2012

PERGUNTA-ME

Irina Vitalievna Karkat
 
" Pergunta-me 
se ainda és o meu fogo
se  acendes  ainda
o minuto de cinza
se  despertas
a ave magoada
que se queda
na árvore  do meu sangue
 
Pergunta-me
se o vento  não traz nada
se o vento  tudo arrasta
se na quietude do lago
repousaram a fúria
e o tropel de mil cavalos
 
Pergunta-me
se te voltei  a encontrar
de todas as vezes que me detive
junto das pontes enevoadas
se  eras  tu que eu via
na infinita  dispersão do meu ser
se eras tu
que reunias pedaços do meu poema
reconstruindo
 a folha rasgada
na minha mão descrente
 
Qualquer  coisa
pergunta-me qualquer coisa
uma tolice
um mistério indecifrável
simplesmente
para que eu saiba
que queres ainda saber
para que mesmo sem te responder
saibas o que quero dizer ."
 
Mia  Couto

A ADIADA ENCHENTE

imagem   da " net "
 
"  Velho  , não .
Entardecido , talvez .
Antigo , sim .
 
Me  tornei  antigo
porque a vida ,
tantas vezes , se demorou
E  eu a esperei
como  um  rio  aguarda  a  cheia ."
 
Mia  Couto