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quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

POEMA DE HOJE ...

Chelin  Sanjuan

" Para apalpar as intimidades do mundo
 é preciso saber :

a)  Que o esplendor da manhã não se abre com faca 
b) O modo como as violetas preparam o dia para morrer 
c) Por que é que as borboletas de tarjas vermelhas tem
devoção por túmulos 
d) Se o homem que toca  de tarde  sua existência num 
fagote , tem salvação 
e) Que um rio que flui entre 2 jacintos carrega mais
ternura que um rio que flui entre 2 lagartos 
f) Como pegar na voz de um peixe 
g) Qual o lado da noite que umedece primeiro 
etc
etc
etc
Desaprender 8 horas por dia ensina os princípios ."

Manoel de Barros 
in , " Uma  didática da invenção "

Som  na  caixa ...



terça-feira, 25 de novembro de 2014

MANOEL DE BARROS


Sempre  foi grande minha admiração pelo nosso poeta
mato-grossense  Manoel de Barros , falecido há 12 dias . 
Estava  com 97 anos  e , nas palavras  de sua neta ,
 Joana de Barros :
" Ele  estava muito debilitado , muito  velhinho .
Ele descansou .  Ele virou passarinho ".

Seleciono trecho ,que gosto bastante, do seu
livro " Memórias  Inventadas- A Infância ".

" Eu tenho um ermo enorme dentro do olho .
Por motivo do ermo  não fui um menino peralta .
Agora tenho saudade do que não fui .
Acho que o que faço agora é o que não pude
fazer na infância .
Faço outro tipo de paraltagem .
Quando eu era criança devia pular muro 
do vizinho  para catar goiaba .
Mas  não havia vizinho .
Em vez de peraltagem eu fazia solidão .
Brincava de fingir que pedra era lagarto .
Que lata era navio .
Que sabugo  era um serzinho mal resolvido
e igual a um filhote de gafanhoto .
Cresci brincando no chão , entre formigas .
De uma infância livre e sem comparamentos .
Eu tinha mais comunhão com as coisas que
comparação . Porque se a gente fala  a partir
de ser criança , a gente faz comunhão :
de um orvalho e sua aranha , de uma tarde 
e suas garças , de um pássaro  e sua árvore .
Então eu trago de minhas raízes crianceiras 
a visão comungante e oblíqua das coisas .
Eu sei dizer  sem pudor que o escuro me ilumina .
É  um paradoxo   que ajuda a poesia e eu falo
sem pudor .
Eu tenho que esta visão oblíqua  vem de eu 
ter sido criança em algum lugar perdido
onde havia transfusão da natureza e 
comunhão com ela .
Era o menino e os bichinhos .
Era o menino e o sol .
O menino e o rio .
Era o menino e as árvores ."

Som  na  caixa ...





quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

HOJE ,MANOEL DE BARROS FAZ 96 ANOS !

 
VIVA  O POETA  !
 
" Distâncias somavam a gente para menos .
Nossa morada estava tão perto do abandono que dava
 até para a gente pegar nele . Eu conversava bobagens
profundas com os sapos , com as águas  e com  as
árvores . Meu avô  abastecia a solidão .
A natureza  avançava  nas minhas palavras tipo assim :
O dia está frondoso em borboletas .
 No amanhecer  o sol põe glórias  no meu olho .
O cinzento da tarde me empobrece .
E o rio encosta  as margens na minha voz .
Essa fusão com a natureza tirava de mim a liberdade
de pensar . Eu queria que as garças  me sonhassem.
Eu queria que as palavras me gorjeassem .
Então comecei a fazer desenhos verbais de imagens .
Me dei bem . Perdoem-me os leitores desta entrada mas
vou copiar de mim  alguns desenhos verbais  que fiz
para este  livro . Acho-os como os  impossíveis verossímeis
de nosso mestre Aristóteles . Dou quatro exemplos :
1) É nos loucos  que grassam luarais ;
2) Eu queria crescer pra passarinho ;
 3) Sapo é um pedaçode chão que pula ;
 4) Poesia é a infância da língua .
Sei que os meus desenhos verbais  nada significam .
Nada . Mas  se  o  nada desaparecer a poesia acaba .
Eu  sei . Sobre  o  nada  eu  tenho  profundidades ."
 
Manoel de Barros ,
in " Poesia  Completa " 

terça-feira, 9 de outubro de 2012

BORBOLETAS

 
" Borboletas  me  convidaram  a  elas .
O  privilégio  insetal  de ser uma  borboleta
  me  atraiu .
Por certo eu iria ter uma visão diferente
dos homens e das coisas .
Eu  imaginava  que o mundo visto  de uma
borboleta -
Seria , com certeza , um mundo livre aos poemas .
Daquele ponto de vista :
Vi que as árvores  são mais competentes
em  auroras do que os homens .
Vi que as tardes são mais aproveitadas
pelas garças do que pelos homens .
Vi que as águas tem mais qualidade  para
a paz  do que os homens .
Vi que as andorinhas  sabem mais das chuvas
do que os cientistas .
Poderia narrar  muitas coisas  ainda  que
pude ver do ponto de vista  de uma borboleta .
Ali  até  o  meu fascínio  era  azul ."
 
 
Manoel  de  Barros ,
in  "  Poesia  Completa "

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

O FINGIDOR

 
Maria Zeldis
 
"  O  ermo  que  tinha  dentro  do  olho  do menino  era
um  defeito  de  nascença ,
 como ter  uma  perna  mais  curta .
Por  motivo  dessa  perna  mais  curta  a  infância  do
menino  mancava .
Ele nunca  realizava  nada .
Fazia  tudo  de  conta .
Fingia  que  lata  era  um  navio  e viajava  de lata .
Fingia  que  vento  era  cavalo  e  corria  ventena .
Quando  chegou  a  quadra  de  fugir  de  casa ,
o  menino   montava  num  lagarto  e  ia  pro  mato .
Mas  logo  o  lagarto  virava  pedra .
Acho  que  o   ermo  que  o   menino  herdara
atrapalhava  as  suas  viagens .
O  menino   só  atingia  o   que  seu  pai
chamava  de  ilusão ."
 
 
Manoel de Barros , in " Poesia  Completa "

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Citação do dia ...


"  A  gente  é  rascunho  de  pássaro .
Não  acabaram  de  fazer ..."


Manoel  de  Barros

Manoel de Barros


" Descobri  aos  treze  anos  que  o que me dava prazer  nas
 leituras  não era  a beleza das frases ,  mas  a doença delas .
Comuniquei  ao  Padre Ezequiel , um meu Preceptor,
esse  gosto esquisito .
Eu  pensava que fosse um  sujeito escaleno .
- Gostar  de fazer defeitos  na frase  é muito saudável ,
o  Padre  me  disse .
Ele  fez  um  limpamento  em  meus  receios .
O  Padre  falou  ainda : Manoel , isso  não é  doença ,
 pode muito  que você  carregue  para  o  resto  da  vida
um  certo  gosto  por  nadas ...
E  se  riu .
Você  não  é  de  bugre ? - ele continuou .
Que  sim , eu respondi .
Veja  que bugre  só  pega  por  desvios , não anda em estradas -
Pois  é  nos  desvios  que  encontra  as  melhores surpresas
e  os  ariticuns  maduros .
Há  que  apenas  saber  errar  bem  seu  idioma .
Esse  Padre Ezequiel  foi  meu  primeiro professor de gramática ."


do   livro ,  "  O  Livro das Ignorãças "

terça-feira, 5 de junho de 2012

Deus Disse


"  Deus  disse :  Vou  ajeitar  a  você  um  dom :
Vou  pertencer  você para   uma  árvore .
E  pertenceu-me .
Escuto  o   perfume  dos  rios .
Sei  que a voz das águas tem perfume azul .
Sei  botar cílio nos  silêncios .
Para  encontrar  o azul  eu  uso  os  pássaros .
Só  não  desejo  cair  em  sensatez .
Não  quero  a  boa  razão  das  coisas .
Quero  o  feitiço das palavras ."


Manoel    de  Barros

segunda-feira, 21 de maio de 2012

AS BENÇÃOS


" Não  tenho  a  anatomia  de  uma  garça

pra  receber  em  mim  os   perfumes  do azul .

Mas  eu   recebo .

É  uma   benção .

Às  vezes ,  se tenho uma  tristeza  ,

as  andorinhas  me  namoram  mais de perto .

Fico  enamorado .

É  uma  benção .

Logo  dou  aos  caracóis  ornamentos   de  ouro

para  que  se  tornem  peregrinos   do chão .

Eles  se  tornam .

É  uma  benção .

Até  alguém  já  chegou  de  me  ver  passar

a  mão  nos  cabelos  de  Deus .

Eu  só  queria  agradecer . "


Manoel  de  Barros


domingo, 22 de abril de 2012

José Castello : O presente de um poeta



"Retratos não guardam a objetividade,
tampouco a nitidez que deles esperamos.
Estão sempre um pouco desfocados.
Conservam o recorte da perspectiva.
Dependem de uma série de fatores externos,
do acaso, do imponderável, que estão muito
além das circunstâncias técnicas.
Trazem manchas de luz, súbitas obscuridades,
deformações.
Essas ideias me vêm enquanto tento traçar
um retrato do poeta Manoel de Barros.
Aos 95 anos, depois de perder, há quatro anos,
o filho do meio, João, o poeta de Mato Grosso do Sul
agora vigia à cabeceira de seu filho mais velho,
Pedro,que sofreu um AVC.
Anda triste, esgotado, oprimido pela rudeza do real.
Quase não sai mais de casa.
Além da mulher, Stella, só se comunica regularmente
com a filha, Martha Barros, que vive no Rio, mas está
sempre em Campo Grande ao lado do pai.
"Não fala da morte", me diz Martha,
"nem gosta de falar de doença".
À morte nome algum - poema algum - corresponde
e o poeta sabe disso.
Cala-se: só o silêncio faz algum sentido,
ainda que precário, diante dela.
Ainda assim, ultrapassando seu silêncio e por meio de Martha,
experimento lhe mandar um pedido de entrevista.
Que responda à mão - Martha copiará depois suas respostas
em um e-mail. Que responda aos poucos, aos pedaços, devagar.
Explico-lhe que meu tema (o tema desta coluna de "Instantâneos")
é o presente. O que lhe peço? - eu me dou conta.
Que enfrente e fale de seu doloroso agora.
Mesmo assim, escrevo minha carta, admito,
sem grandes esperanças, mais para lhe fazer um gesto de carinho.
Mais para acariciar, ainda que com palavras,
um poeta que muito admiro.
Para minha surpresa, poucos dias depois,
e novamente por meio da bondosa Martha, recebo esta resposta:


"Campo Grande, fevereiro de 2012


Caro amigo Castello


No caminho, as crianças me enriqueceram
mais do que Sócrates.
Pois minha imaginação não tem estrada.
E eu não gosto mesmo de estrada.
Gosto de desvio e de desver.


Como dizer!
Eu vi um lagar com olhar de árvore.
Pura inocência que o absurdo faz.
Pura inocência para desver o certo.
Eu queria era mudar a feição das coisas.
Assim como desnaturar pela palavra.
Ver as coxas rosadas da Manhã na beira do rio era gosto.
A gente andava perdido nas Origens.


As palavras não tinham comportamento.
Era sempre um Tratado de Descoisas que eu queria fazer.
São alguns dos fragmentos que estou aqui mandando a você
como respostas às suas sábias perguntas.
Repito que sempre andei pelas origens sem me conhecer.
Talvez sirva esta espécie de carta para explicar
o divino absurdo e Fernando Pessoa para explicar
as raízes da inocência.
Assim: eu vi uma frondosa formiga ajoelhada no adro!


Mas não havia nem adro nem origens.
Grande abraço e obrigado por tudo.


Seu amigo


Manoel de Barros"

.....
José Castello

segunda-feira, 9 de abril de 2012

UM VIDRO MOLE



" O rio que fazia uma volta atrás da nossa casa

era a imagem de um vidro mole ...

Passou um homem e disse :

Essa volta que o rio faz ...

se chama enseada ...

Não era mais a imagem de uma cobra de vidro

que fazia uma volta atrás da casa .

Era uma enseada .

Acho que o nome empobreceu a imagem ."


Manoel de Barros

sábado, 3 de março de 2012

Manoel de Barros



" Ando muito completo de vazios .

Meu órgão de morrer me predomina .

Estou sem eternidades .

Não posso mais saber quando amanheço ontem .

Está rengo de mim o amanhecer .

Ouço o tamanho oblíquo de uma folha .

Atrás do ocaso fervem os insetos .

Enfiei o que pude dentro de um grilo o meu destino .

Essas coisas me mudam para cisco .

A minha independência tem algemas ."

domingo, 15 de janeiro de 2012

Ainda Manoel de Barros



( ...)

" O mundo era um pedaço complicado para

o menino que viera da roça .

Não vi nenhuma coisa mais bonita na

cidade do que um passarinho .

Vi que tudo o que o homem fabrica

vira sucata : bicicleta , avião , automóvel .

Só o que não vira sucata é ave ,

rã , pedra .

Até nave espacial vira sucata .

Agora eu penso uma garça branca de brejo

ser mais linda que uma nave espacial .

Peço desculpas por cometer essa verdade ."



in , " Memórias Inventadas "

Manoel por Manoel



" Eu tenho um ermo enorme dentro do olho .

Por motivo do ermo não fui um menino peralta .

Agora tenho saudade do que não fui .

Acho que o que faço agora é o que não pude

fazer na infância .

Faço outro tipo de peraltagem .

Quando era criança eu deveria pular muro do

vizinho para catar goiaba . Mas não havia vizinho.

Em vez de peraltagem eu fazia solidão .

Brincava de fingir que pedra era lagarto.

Que lata era navio .

Que sabugo era um serzinho mal resolvido e igual

a um filhote de gafanhoto ."



Manoel de Barros , in " Memórias Inventaddas "

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Manoel de Barros



" Quando a Vó me recebeu nas férias , ela me

apresentou aos amigos : Este é meu neto .

Ele foi estudar no Rio de Janeiro e voltou

de ateu . Ela disse que eu voltei de ateu .

Aquela preposição deslocada me fantasiava de

ateu . Como quem dissesse no Carnaval :

aquele menino está fantasiado de palhaço .

Minha avó entendia de regências verbais .

Ela falava de sério . Mas todo mundo riu .

Porque aquela preposição deslocada podia fazer

de uma informação um chiste . E fez .

E mais : eu acho que buscar a beleza nas

palavras é uma solenidade de amor .

E pode ser instrumento de rir ."



in , " Memórias Inventadas "

domingo, 6 de novembro de 2011

Manoel por Manoel



(...)

" Cresci brincando no chão , entre formigas .

De uma infância livre e sem comparamentos .

Eu tinha mais comunhão com as coisas do que

comparação . Porque se a gente fala a partir

de ser criança , a gente faz comunhão :

de um orvalho e sua aranha , de uma tarde e

suas garças , de um pássaro e sua árvore .

Então eu trago das minhas raízes crianceiras

a visão comungante e oblíqua das coisas .

Eu sei dizer sem pudor que o escuro me ilumina.

É um paradoxo que ajuda a poesia e que eu falo

sem pudor . Eu tenho que essa visão oblíqua vem

de eu ter sido criança em algum lugar perdido

onde havia transfusão da natureza e comunhão

com ela . Era o menino e os bichinhos .

Era o menino e o sol . O menino e o rio.

O menino e as árvores ."



Manoel de Barros , in " Memórias Inventadas "

Fraseador



" Hoje eu completei oitenta e cinco anos .

O poeta nasceu de treze .

Naquela ocasião escrevi uma carta aos meus pais,

que moravam na fazenda , contando que eu já

decidira o que queria ser no meu futuro .

Que eu não queria ser doutor.

Nem doutor de curar nem doutor de fazer casa

nem doutor de medir terras .

Que eu queria ser fraseador .

Meu pai ficou meio vago depois de ler a carta.

Minha mãe inclinou a cabeça .

Eu queria ser fraseador e não doutor .

Então , meu irmão mais velho perguntou :

Mas esse tal de fraseador bota mantimento em casa?

Eu não queria ser doutor, eu só queria ser fraseador.

Meu irmão insistiu :

Mas se fraseador não bota mantimento em casa,

nós temos que botar uma enxada na mão

desse menino pra ele deixar de variar.

A mãe baixou a cabeça um pouco mais .

O pai continuou meio vago .

Mas não botou enxada ."



Manoel de Barros , in " Memórias Inventadas "

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Auto-Retrato Falado



" Venho de um Cuiabá de garimpos e de ruelas

entortadas .

Meu pai teve uma venda no Beco da Marinha ,

onde nasci.

Me criei no Pantanal de Corumbá entre bichos

do chão,aves , pessoas humildes , árvores e rios .

Aprecio viver em lugares decadentes por gosto

de estar entre pedras e lagartos .

Já publiquei 10 livros de poesia :

ao publicá-los me sinto meio desonrado e

fujo para o Pantanal onde sou abençoado a garças .

Me procurei a vida inteira e não me achei -

pelo que fui salvo .

Não estou na sarjeta porque herdei uma fazenda

de gado .

Os bois me recriam .

Agora sou tão ocaso !

Estou na categoria de sofrer do moral porque só

faço coisas inúteis .

No meu morrer tem uma dor de árvore ."



Manoel de Barros

sábado, 17 de setembro de 2011

A namorada



" Havia um muro alto entre

as nossas casas .

Difícil de mandar recado para ela .

O pai era uma onça .

A gente amarrava o bilhete numa

pedra por um cordão .

E pinchava a pedra no quintal

da casa dela .

Se a namorada respondesse pela

mesma pedra

Era a glória !

Mas por vezes o bilhete enganchava

nos galhos da goiabeira

E então era agonia .

No tempo do onça era assim ."


Manoel de Barros

sábado, 6 de agosto de 2011

Manoel de Barros



" Acho que o quintal onde a gente brincou

é maior do que a cidade .

A gente só descobre isso depois de grande .

A gente descobre que o tamanho das coisas há de

ser medido pela intimidade que temos com as coisas .

Há de ser como acontece com o amor .

Assim , as pedrinhas do nosso quintal são sempre

maiores do que as outras pedras do mundo .

Justo pelo motivo da intimidade ."