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domingo, 15 de dezembro de 2013

AURORA BOREAL

Alex  Alemany
 
" Tenho quarenta janelas
nas  paredes  do meu quarto .
Sem vidros  nem bambinelas
posso ver  através  delas
o mundo em que me reparto .
Por  uma  entra  a  luz do Sol
por outra a luz do luar ,
por outra  a luz das estrelas
que andam no céu a rolar .
Por esta entra  a Via Láctea 
como um vapor de algodão,
por aquela  a luz  dos homens ,
pela outra a escuridão . 
Pela  maior  entra  o espanto,
pela  menor  a certeza ,
pela  da frente  a  beleza
que inunda de canto a canto .
Pela  quadrada  entra a esperança
de quatro  lados  iguais ,
quatro arestas ,
quatro vértices ,
quatro  pontos  cardeais .
Pela  redonda  entra  o  sonho ,
que  as vigias  são redondas
e  o  sonho  afaga  e  embala
à  semelhança  das ondas .
Por  além  entra  a  tristeza ,
por  aquela  entra  a  saudade
e o  desejo , e a humildade ,
e  o  silêncio , e  a surpresa ,
e  o  amor  dos  homens , e o  tédio ,
e  o  medo  e  a  melancolia ,
e  essa  fonte  sem  remédio
  que  se  chama  poesia  ,
e  a  inocência , e  a  bondade ,
e  a  dor  própria , e  a dor  alheia ,
e  a paixão que se incendeia ,
e  a  viuvez  e  a  piedade ,
e  o  grande  pássaro branco,
e  o  grande  pássaro  negro 
que se olham obliquamente  ,
arrepiados de medo ,
todos  os  risos  e choros ,
todas  as  fomes  e sedes ,
tudo alonga  a  sua  sombra
nas  minhas  quatro paredes .
 
Oh  janelas  do  meu quarto ,
quem  vos  pudesse  rasgar !
Com  tanta  janela  aberta
falta-me  a luz  e  o  ar. "
 
António Gedeão
in , " Teatro do Mundo "  
 
 
Som  na  caixa ...

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Pedra Filosofal


 " Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer,
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso
em serenos sobressaltos,
como estes pinheiros altos
que em verde e oiro se agitam,
como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.

Eles não sabem que o sonho
é vinho, é espuma, é fermento,
bichinho álacre e sedento,
de focinho pontiagudo,
que fossa através de tudo
num perpétuo movimento.

Eles não sabem que o sonho
é tela, é cor, é pincel,
base, fuste, capitel,
arco em ogiva, vitral,
pináculo de catedral,
contraponto, sinfonia,
máscara grega, magia,
que é retorta de alquimista,
mapa do mundo distante,
rosa-dos-ventos, Infante,
caravela quinhentista,
que é Cabo da Boa Esperança,
ouro, canela, marfim,
florete de espadachim,
bastidor, passo de dança,
Colombina e Arlequim,
passarola voadora,
pára-raios, locomotiva,
barco de proa festiva,
alto-forno, geradora,
cisão do átomo, radar,
ultra-som, televisão,
desembarque em foguetão
na superfície lunar.

Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida.
Que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança."

António  Gedeão


Se  meu  pai estivesse  vivo ,
 hoje completaria 88 anos .
A página  é  para  ele .

segunda-feira, 28 de junho de 2010

António Gedeão : Aurora Boreal




" Tenho quarenta janelas


nas paredes do meu quarto .


Sem vidros nem bambinelas


posso ver através delas


o mundo em que me reparto .


Por uma entra a luz do Sol ,


por outra a luz do luar ,


por outra a luz das estrelas


que andam no céu a rolar .


Por esta entra a Via Láctea


como um vapor de algodão ,


por aquela a luz dos homens ,


pela outra a escuridão .


Pela maior entra o espanto ,


pela menor a certeza ,


pela da frente a beleza


que inunda de canto a canto .


Pela quadrada entra a esperança


de quatro lados iguais ,


quatro arestas , quatro vértices ,


quatro pontos cardeais .


Pela redonda entra o sonho ,


que as vigias são redondas


e o sonho afaga e embala


à semelhança das ondas .


Por além entra a tristeza ,


por aquela entra a saudade


e o desejo , e a humildade ,


e o silêncio , e a surpresa ,


e o amor dos homens , e o tédio ,


e o medo , e a melancolia ,


e essa fonte sem remédio


a que se chama poesia ,


e a inocência , e a bondade ,


e a dor própria , e a dor alheia ,


e a paixão que se incendeia ,


e a viuvez e a piedade ,


e o grande pássaro branco ,


e o grande pássaro negro


que se olham obliquamente ,


arrepiados de medo ,


todos os risos e choros ,


todas as fomes e sedes ,


tudo alonga a sua sombra


nas minhas quatro paredes .





Oh janelas do meu quarto ,


quem vos pudesse rasgar !


Com tanta janela aberta


falta-me a luz e o ar ."







in , " Teatro do Mundo " , 1958