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" ... SIM SENHOR , tudo o que queira ,
mas são as palavras as que cantam,
as que sobem e baixam ...
Prosterno-me diante delas ...
Amo-as , uno-me a elas , persigo-as ,
mordo-as , derreto-as ...
Amo tanto as palavras ...
As inesperadas ...
As que avidamente a gente espera ,
espreita até que de repente caem ...
Vocábulos amados ...
Brilham como pedras coloridas ,
saltam como peixes de prata , são espuma ,
fio , metal , orvalho ...
Persigo algumas palavras ...
São tão belas , que quero colocá-las
todas em meu poema ...
Agarro-as no voo , quando vão zumbindo ,
e capturo-as , limpo-as , aparo-as ,
preparo-me diante do prato , sinto-as
cristalinas , vibrantes , ebúrneas ,
vegetais,oleosas , como frutas ,
como algas , como ágatas ,como azeitonas ...
E então as revolvo , agito-as , bebo-as ,
sugo-as , trituro-as , adorno-as , liberto-as ...
Deixo-as como estalactites em meu poema,
como pedacinhos de madeira polida , como carvão,
como restos de naufrágio , presentes da onda ...
Tudo está na palavra ..."
Pablo Neruda , in " Confesso que vivi "
" Gosto de dizer .
Direi melhor : gosto de palavras.
As palavras são para mim corpos tocáveis ,
sereias visíveis , sensualidades incorporadas .
Talvez porque a sensualidade real não tem
para mim interesse de nenhuma espécie -
nem sequer mental ou de sonho - ,
transmudou-se-me o desejo para aquilo que
em mim cria ritmos verbais ou os
escuta de outros.
Estremeço se dizem bem .
( ...)
Não choro por nada que a vida traga ou leve .
Há porém páginas de prosa que
me têm feito chorar . "
Bernardo Soares , in " Livro do Desassossego "
" Não se deve falar
demasiado ...
A vida espreita-nos
sempre ..."
Fernando Pessoa
in , " O Marinheiro "
" Quando mais nada houver ,
eu me erguerei cantando ,
saudando a vida
com meu corpo de cavalo jovem .
E numa louca corrida
entregarei meu ser ao ser do Tempo
e a minha voz à doce voz do vento .
Despojado do que já não há
solto no vazio do que ainda não veio ,
minha boca cantará
cantos de alívio pelo que se foi ,
cantos de espera pelo que há de vir ."
Caio Fernando Abreu , in " Caio 3 D "
" Assim me falou o homem
virtuoso em sua vida :
Deus não é uma luz,
desatenta mulher ,
Deus é pessoa .
Isto pode ser um poema
sob três nomes viáveis :
Aconselhamento espiritual ,
A chave ,
Alvíssaras ,
coisas que tanto abrem como fecham
uma vida ,
um livro ,
um entendimento ,
homem que se ama escondido
e sem aviso te pede em casamento ."
Adélia Prado , in " A duração do dia "
( ...)
" Milagre , não . Mas as coincidências .
Vivo de coincidências , vivo de linhas que
incidem uma na outra e se cruzam e no
cruzamento formam um leve e instantâneo ponto ,
tão leve e instantâneo que mais é feito de
pudor e segredo : mal eu falasse nele ,
já estaria falando em nada .
Mas tenho um milagre , sim .
O milagre das folhas .
Estou andando pela rua e do vento me cai
uma folha exatamente nos cabelos .
A incidência da linha de milhões de folhas
transformadas em uma única , e de milhões de
pessoas a incidência de reduzi-las a mim .
Isso me aconteceu tantas vezes que passei a me
considerar modestamente a escolhida das folhas .
Com gestos furtivos tiro a folha dos cabelos
e guardo-a na bolsa , como o mais diminuto
diamante .
Até que um dia , abrindo a bolsa ,
encontro entre os objetos a folha seca ,
engelhada , morta .
Jogo-a fora : não me interessa fetiche morto
como lembrança .
E também porque sei que novas folhas
coincidirão comigo .
Um dia uma folha me bateu nos cílios .
Achei Deus de uma grande delicadeza ."
in , " O milagre das folhas "

" Que pode uma criatura senão ,
senão entre criaturas , amar ?
amar e esquecer ,
amar e malamar ,
amar , desamar , amar ?
sempre , e até de olhos vidrados , amar ? "
no poema , " Amar "