Graciela Rodo Boulanger
" Elas vem de tal modo impregnadas de liberdade ,
elas surgem na vida com uma espontaneidade
tão clara , com uma simplicidade tão límpida
e definitiva em todos os seus gestos , em todas
as suas atitudes , em todos os seus movimentos ,
que constituem um terrível escândalo neste cárcere
em que nós outros já perdemos estas mesmas
qualidades , que um dia foram também nossas ,
mas que os adultos de então nos foram arrancando
dolorosamente , gritando coisas que não entendíamos
e que na verdade não tem existência digna de ser
respeitada : interesses mesquinhos , conveniências ,
preconceitos , ilusões estreitas , com rótulos
graves de moral e dever ...
Elas não acreditam nessas palavras ,
não as compreendem , não as aceitam .
Porque elas não precisam de obedecer a dogmas ,
para serem puras , pois já são a própria pureza ;
não precisam de palavras que escondam os defeitos ,
porque aparecem perfeitas ; não precisam de
nenhum artifício porque são apenas verdade .
( ...)
Elas poderiam criar um mundo mais verdadeiro ,
mais puro , mais de acordo com o sentido primordial
da natureza. Elas são a vida em princípio e ,
apesar de todas as heranças que já carreguem em si ,
chegam diante de nós como se não tivessem passado ,
como se fossem apenas esperança , como se tudo ,
depois delas nascessse também outra vez ,
livre , infinito , admirável .
Mas suas perguntas mais profundas tem respostas
horríveis . Ou insignificantes ou mentirosas .
Suas manifestações mais espontâneas são recebidas
com uma hostilidade inesperada e amarga .
Seus primeiros pensamentos são encaminhados
por um rumo que é dos lugares -comuns , velhos
e tediosos como ruas escuras .
( ...)
A vida delas é assim .
É assim a vida das crianças .
Foi assim a nossa ,e a dos nossos antepassados .
E a dos nossos sucessores também há de ser igual ,
se não tivermos hoje , todos nós , que somos responsáveis
por elas , este heroísmo de as defender contra os nossos
próprios interesses , contra o nosso sossego , contra
as nossas conveniências , contra a falsidade da nossa
existência que esmaga impunemente a sua
incomparável e admirável vida ."
Cecília Meireles ,
in " Crônicas de Educação "
Som na caixa ...
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