domingo, 4 de julho de 2010

Eugénio de Andrade : Poema à mãe


" No mais fundo de ti
Eu sei que te traí , mãe

Tudo porque já não sou
O menino adormecido
No fundo dos teus olhos .

Tudo porque ignoras
Que há leitos onde o frio não se demora
E noites rumorosas de águas matinais .

Por isso , às vezes , as palavras que te digo
São duras , mãe ,
E o nosso amor é infeliz.

Tudo porque perdi as rosas brancas
Que apertava junto ao coração
No retrato da moldura .

Se soubesses como ainda amo as rosas ,
Talvez não enchesses as horas de pesadelos .

Mas tu esqueceste muita coisa ;
Esqueceste que as minhas pernas cresceram ,
Que todo o meu corpo cresceu ,
E até o meu coração
Ficou enorme , mãe !

Olha- queres ouvir-me-?
Às vezes ainda sou o menino
Que adormeceu nos teus olhos ;

Ainda aperto contra o coração
Rosas tão brancas
Como as que tens na moldura ;

Ainda oiço a tua voz :
Era uma vez uma princesa
No meio do laranjal ...

Mas- tu sabes - a noite é enorme,
E todo o meu corpo cresceu .
Eu saí da moldura ,
Dei às aves os meus olhos a beber.

Não me esqueci de nada , mãe
Guardo a tua voz dentro de mim .
E deixo as rosas .

Boa noite . Eu vou com as aves ."

2 comentários:

  1. Lindo, emocionante!!!
    Beijo,
    Nédier

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  2. Feliz de quem ainda tem a sua mãe viva, e tem a sensibilidade de homenageá-la.
    Valeu!!!

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