Cristine Peloquin
" Quem já conheceu o estado de graça reconhecerá
o que vou dizer .
Não me refiro à inspiração , que é uma graça especial
que tantas vezes acontece aos que lidam com arte .
O estado de graça de que falo não é usado para nada .
É como se viesse apenas para que se soubesse que
realmente existe .
Nesse estado , além da tranquila felicidade que se irradia
de pessoas e coisas , há uma lucidez que só chamo de
leve porque na graça tudo é tão , tão leve .
É uma lucidez de quem não adivinha mais :
sem esforço , sabe . Apenas isto : sabe .
Não perguntem o que , porque só posso responder
do mesmo modo infantil : sem esforço , sabe-se .
E há uma bem aventurança física que a nada se compara .
O corpo se transforma num dom .
E se sente que é um dom porque se está experimentando,
numa forma direta a dádiva indubitável
de existir materialmente .
No estado de graça vê-se às vezes a profunda beleza,
antes inatingível , de outra pessoa .
Tudo , aliás , ganha uma espécie de nimbo que não é
imaginário : vem do esplendor da irradiação quase
matemática das coisas e das pessoas .
Passa-se a sentir que tudo que existe -pessoa ou coisa -
respira e exala uma espécie de finíssimo resplendor
de energia . A verdade do mundo é impalpável .
( ...)
Depois , lentamente se sai .
( ...)
Sai-se do estado de graça com o rosto liso ,
os olhos abertos e pensativos e , embora
não se tenha sorrido , é como se o corpo todo
viesse de um sorriso suave .
E sai-se melhor criatura do que se entrou .
Experimentou-se alguma coisa que parece redimir
a condição humana , embora ao mesmo tempo fiquem
acentuados os estreitos limites desta condição .
E exatamente porque depois da graça a condição humana
se revela na sua pobreza implorante ,
aprende-se a amar mais, a esperar mais .
Passa-se a ter uma espécie de confiança no sofrimento
e em seus caminhos tantas vezes intoleráveis .
Há dias que são tão áridos e desérticos que eu daria
anos de minha vida em troca de uns minutos de graça ."
Clarice Lispector ,
na crônica " Estado de graça ".
Som na caixa ...
.
Que boa lembrança Marisa!
ResponderExcluirEu sou super fã da Clarice, e que bela música...
Bjs
Clarice Lispector uma escritora que eu aprecio bastante e bela homenagem que a minha amiga prestou aos seus 95º aniversário.
ResponderExcluirGostei de ouvir o André Rieu.
Um abraço e bom fim de semana.
Bela homenagem no 95º aniversário de uma enorme escritora, cujos escritos que muito aprecio, ainda ando a descobrir.
ResponderExcluirÉ verdade, em estado de graça tudo é leveza e tranquilidade, e só em estado de graça se obtém essa lucidez que não necessita de explicação.
Um belo post, com uma excelente música a acompanhar, e a imagem é linda!
Bom fim de semana, Marisa!
xx
Estados de graça, momentos únicos em que tudo parece tão claro, tão límpido, tão sereno...!
ResponderExcluirUma bela homenagem, Marisa!
Um beijinho :)
Que delicadeza o "som da caixa", Marisa, a rimar com a leveza dessa crônica que fala sobre leveza... amei!
ResponderExcluirDeus nos permita mais instantes de graça a fim de aplacar a aridez dos tempos que vivemos!
Estou retomando... aos poucos... saudade daqui!
Querida Marisa,
ResponderExcluirA Clarice Lispector é de uma profundidade,
beleza poética e humanidade que vai na
raiz até chegar numa luminosidade
contagiante.
A escrita dela é comovente, não
se fica a mesma depois de
ler a Clarice.
Eu sou fã e tenho coleção completa
dela e sempre preciso respirar
a sua literatura na
transcendência das palavras.
"A verdade do mundo é impalpável"
Grata pela partilha e o som sempre
em harmonia neste seu espaço!
Beijo.
Para si e para a sua família desejo um Natal de Luz! Abençoado e repleto de alegrias.
ResponderExcluirAG
Agradeço a todos vocês , meus amigos , pelas visitas e comentários . Beijos
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