terça-feira, 21 de abril de 2015

ESSE AMOR

Lauri  Blanc 


" Esse  amor
tão violento
tão frágil 
tão terno 
tão desesperado
Esse  amor 
belo como o dia 
e mau como o tempo 
quando há mau tempo
Esse  amor tão verdadeiro
tão bonito
tão alegre 
tão jovem 
e tão insignificante 
Trêmulo de medo  
como um menino dentro da noite 
e tão seguro de si
como um homem sereno 
no mais fundo da noite 
Esse  amor que assustava os outros 
que os fazia comentar  
e os fazia empalidecer  
Este  amor  vigiado  
porque nós o vigiávamos 
perseguido ferido espezinhado 
consumado negado esquecido 
Esse amor íntegro 
Ainda tão vivo 
E ainda tão resplandecente 
É o seu 
è o meu 
Aquele que foi 
sempre novo 
e não mudou
tão real como uma planta  
tão trêmulo como um pássaro
tão quente tão vivo como o verão
Nós podemos partir e voltar 
Nós podemos esquecer 
e depois adormecer
acordar sofrer  envelhecer 
adormecer novamente
sonhar com a morte 
e acordar sorrir e  rir     
e rejuvenescer 
Nosso amor continua ali 
teimoso  como um jumento 
Intenso como o desejo 
Cruel como a memória 
Tolo como o remorso 
Terno como a saudade 
Frio como o mármore 
Belo como o dia 
Frágil como uma criança 
Ele nos olha a sorrir 
e nos fala sem nada dizer 
e eu o escuto trêmulo 
e grito 
grito por você
por mim 
Eu suplico 
por você  por mim por todos que se amam
e que já se amaram 
Sim , eu grito ao amor 
por você por mim e por todos os outros 
os que sequer conheço 
Fique aí 
aí onde você está 
onde estava  antes 
Fique aí 
não se mova 
não vá 
Nós que somos amados 
nós o esquecemos 
Não nos esqueça 
Só tínhamos  você no mundo
Não nos deixe indiferentes 
Cada vez mais longe e sempre 
 e não importa  onde 
nos dê um sinal de vida 
 mais tarde no fundo de um bosque 
na selva da memória 
apareça de repente 
nos estenda a mão
e nos salve ."

Jaques Prévert 

Poeta e roteirista francês , 
nascido em 1900 e morto em 1977 .
Seus poemas são ricos em efeitos sonoros
 e jogos de linguagem . 
Seu nome está associado ao simbolismo 
e surrealismo na poesia francesa .
Além disso , alguns de seus poemas 
foram musicados por Joseph Kosma ,
como a famosa canção 
" Les Feuilles Mortes "   

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sábado, 11 de abril de 2015

TÁTICA E ESTRATÉGIA

Isabele  Cochereau

"  Minha  tática é 
olhar-te
aprender  como  és 
querer-te  como és 

minha tática é 
falar-te
e escutar-te 
construir com palavras 
uma ponte indestrutível 

minha tática é 
ficar  na tua memória 
não sei como nem sei
com que pretexto
mas ficar em ti

minha tática é 
ser franco 
e saber que és franca 
e que não nos vendamos 
simulacros 
para  que entre os dois 
não existam véus 
nem abismos 

minha estratégia  é
no entanto 
mais profunda e mais 
simples 

minha estratégia é 
que um dia qualquer 
não sei como nem sei
com que pretexto
por fim me necessites . "

Mario Benedetti 
 in , " O amor , as mulheres e a vida "

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quinta-feira, 2 de abril de 2015

PÁSCOA

Piero  della  Francesca 

 No  mundo cristão ,
 a Páscoa  tem  um sentido transformador.
Com sua morte na cruz , Jesus transforma 
a derrota em vitória , a morte em vida 
e o medo em esperança .
O escritor , teólogo , psicanalista  e educador ,
Rubem Alves ,  assim nos diz :

 " Tenho no meu escritório uma tela do pintor 
Piero della Francesca  chamada " Ressureição " .
A pedra do túmulo corta  a tela em duas partes .
Na parte de cima , com seu pé , sob a pedra ,
o Cristo ressuscitado.
Na  parte inferior , 
encostados à pedra , os guardas adormecidos .
Perguntam-me sobre o sentido da tela .
Respondo que não sei o sentido da tela .
As  telas tem muitos  sentidos .
Eu só posso  dizer o que 
aquele quadro me faz pensar.
E digo : enquanto os guardas da morte 
estão dormindo , o divino que mora em nós
sai do sepulcro .
 Sabem disto as cigarras .
Caminhando hoje pela manhã  na fazenda
Santa Elisa eu ouvi  o seu canto .
Já haviam deixado suas cascas nos troncos 
das árvores .
Agora  são seres  alados .
Cantam e voam a procura do amor ...
Acho que estão celebrando a  Páscoa..."

Rubem Alves 
( 1933-2014 )

Desejo a vocês  , meus amigos , uma abençoada e alegre  Páscoa .

Beijos 

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domingo, 22 de março de 2015

ONÍRICO

Josephine  Wall

Escrito em 1991 , por Caio Fernando Abreu , este conto ,
 pretendia ser  uma reescritura  de 
" A pequena sereia " de Andersen .
A jovem de " Onírico " encontra com seu amado  em sonho , 
e passa , evidentemente sem sucesso , a procurá-lo nas ruas .
Partilho com vocês alguns trechos .

" Viu  os frutos do pomar amadurecerem e serem
colhidos , viu a neve derreter-se  nas montanhas .
Mas  nunca  mais viu o  príncipe ."

Andersen  , " A pequena  sereia " 

" Veio num sonho , certa  noite . 
Ela  o  amava . Ele  a  amava  também .
E  ainda  que  essa  coisa , o amor , fosse
complicada  demais para  compreender e detalhar 
nas  maneiras  tortuosas  como acontece ,
naquele momento em que acontecia  dentro do sonho ,
era  simples . Boa , fácil , assim  era.
Ela  gostava  de  estar  com ele ,
ele gostava  de estar  com ela .  Isso  era  tudo .
Dormiam  juntos , no sonho , porque  era bom 
para  um  e  para  o outro  estarem  assim  juntos ,
naquele  outro espaço .

(...)

Deitada  no  ombro dele , ela via seu rosto 
muito próximo . Esse  era  o  sonho , nada  mais .
E  isso , mais tarde  saberia , era  o  único fato 
do sonho  inteiro : via o rosto dele muito próximo .

(...)

Talvez ele tivesse passado um dos braços em 
torno da cintura  dela , quem sabe ela houvesse
deitado uma das mãos sobre o ombro dele ,
erguendo os dedos até que tocassem no 
lóbulo de sua orelha .
Em todos os dias que se seguiram à noite daquele
sonho , e foram muitos , honestamente não 
saberia  localizar outros detalhes .

(...)

Sem  artifícios , acordou na manhã seguinte .
Vazias , ela e a manhã . E procurou o telefone 
para  contar  às  amigas . " Premonição " , 
disse uma , " você  vai encontrar  alguém "; 
" transporte  astral " , disse  outra ,
"você  deve  tê-lo  realmente encontrado numa
outra dimensão "; " ah , mera projeção  de carências 
atávicas " , disse  mais  uma , " no fundo pura
falta de sexo " .

(...)

Nos  dias  seguintes , mesmo aceitando todos
os jantares e cedendo a todos os cinemas 
e shoppings e pizzarias , pois ele poderia estar
também no real - ele também não estava lá .
Nem aqui .  Em nenhum lugar que fosse , 
de fora ou de dentro , nos dias seguintes ao dia
 em que estivera deitada no ombro dele  tão
proximamente nu também , no fundo de um
sonho , conseguia reencontrá-lo .

( ...)

Passaram-se  meses , ela não o esquecia .
Toda  noite , acompanhada ou não -
pois ao fim e ao cabo achava , digamos ,
saudável manter uma vida real-objetiva 
enquanto ele continuava a acontecer dentro
de si , noutro espaço .

( ...)

Então  voltava a deitar em horas absurdas 
e a dormir para tentar encontrá-lo  no país 
onde habitava , e nem sabia que reino mais ,
tão diverso do dela .
Todas  as  noites , um segundo antes de afundar ,
pensava - onde quer que você esteja , meu príncipe ,
em qualquer região da minha mente , no mínimo 
interstício , na fímbria do pensamento , frincha da 
memória , dobra da fantasia , faixa vibratória 
passada  presente  futura , aqui vou eu ao seu encontro,
meu bem amado . E nada . Mesmo que alimentasse
o hábito de materializar anjos e fadas sentados 
à beira  de sua cama , a perguntarem gentis 
o que desejava mais profunda e loucamente  entre
todas as coisas da vida inteira , o que mais queria 
de tudo que existe  no universo infinito -,
 nunca mais voltou  a vê-lo .
Nem  no  sonho . Nem na vida .

(...)

Talvez  se  morresse .
 O problema  é que a vida era agora e aqui .
E além de não  estar nem no aqui 
nem no agora , ele não partia .
Não  se matou . Não seria capaz , resistia
sempre  a ilusão de encontrá-lo  um dia .
Por isso houve  outros , claro .
Algumas  iluminações , encontros  quase agradáveis .  
Mas  aprendeu a ir dormir sempre o mais cedo
que pode , pois é nessa faixa que ele habita , ela sabe
a contemplá-la mesmo de olhos fechados .
E de tudo que foi restando nestes anos todos ,
continua sabendo que sabe que fica lá o lugar 
onde  poderia encontrá-lo  outra  vez .

( ...)
Arfam levemente os dois .
 Ela dorme segura protegida  no ombro dele
que a protege seguro . Mesmo dormindo ,
mesmo do lado de cá . E  isso é para sempre ,
por mais que o tempo passe e a afaste cada vez
mais dele , que continua eterno naquele segundo
que o viu .
E isso ninguém roubará , repete-se ,
 mesmo levando em conta todos aqueles meses 
de enganos vis que continuam e continuarão a vir
depois daquele sonho .
Eu  te  amo , repete sozinha  para o escuro 
da noite , pouco antes de seu corpo dissolver-se 
na espuma do sono , eu te amo .
E se pudessem saber , os  outros , 
todos saberiam que isso não deixa de ser 
uma vitória . Certa espécie de vitória .
Mas tão dúbia que parece também
 uma completa  derrota ."

Caio Fernando Abreu 
in , " O essencial da década de 1990 "

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terça-feira, 17 de março de 2015

ELIS REGINA


Se  viva estivesse ,   Elis Regina ,
 uma das  melhores cantoras brasileiras , 
 hoje completaria  70 anos .
Em sua homenagem  ,  duas  belas interpretações .

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quarta-feira, 11 de março de 2015

CANÇÃO NA PLENITUDE

Ron Coulter


" Não tenho mais olhos de menina  nem corpo
adolescente , e a pele translúcida  há muito 
se manchou .
Há  rugas  onde havia sedas , sou uma estrutura
agrandada  pelos anos e o peso dos fardos
bons  ou ruins .
( Carreguei muitos com gosto  e alguns
com rebeldia )


O que te posso dar  é  mais que tudo 
o que perdi : dou-te  os  meus ganhos .
A maturidade  que  consegue  rir 
quando em outros tempos choraria ,
busca  te agradar quando antigamente 
quereria  apenas  ser  amada .
Posso  dar-te  muito mais  do que 
a beleza e juventude agora : 
esses  dourados  anos  me  ensinaram
a amar  melhor , com  mais paciência 
e não  menos  ardor , a entender-te
se  precisas , a  aguardar-te quando vais ,
a  dar-te  regaço  de amante e colo de amiga ,
e  sobretudo  força - que vem do aprendizado .
Isso  posso te  dar : um  mar  antigo  e confiável 
cujas  marés - mesmo se fogem - retornam ,
cujas  correntes  ocultas  não levam destroços 
mas  o  sonho  interminável  das  sereias ."

Lya  Luft   ,
in  "  Secreta  Mirada  e outros  poemas "


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quarta-feira, 4 de março de 2015

TEMPO

imagem    da  net 


" Se corre devagar  o tempo , e o tempo 
não corre , em que relógio contarei
os segundos que se demoram quando as 
horas  se  precipitam ou o amanhã 

que nunca mais chega neste hoje 
que já passou ?  Mas  o tempo  só  o  é 
quando o perdemos ; e ao ver que 
 é tarde  ,  não se volta atrás  , nem 

as  voltas  que o tempo dá  o voltam
a fazer  andar . Por  isso é que o tempo 
nos  dá  tempo  para  o  ter , se  ainda 

houver  tempo ; e se  tivermos  de o perder ,
nenhum  tempo  contará  o tempo que se
 gastou para  saber  o que se perdeu , ou ganhou ."

Nuno Júdice 

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