sexta-feira, 13 de junho de 2014

AVESSO

Lauri  Blank
 
" Pode parecer promessa
mas  eu  sinto  que   você é a pessoa
mais  parecida  comigo
que  eu  conheço
só que do lado do avesso .
 
Pode  ser  que  seja  engano
bobagem ou ilusão
de ter você  na  minha ,
mas  acho que com você eu me esqueço
e em seguida eu aconteço .
 
Por isso  deixo  aqui  meu  endereço
se você  me  procurar
eu apareço ,
se  você  me  encontrar
te  reconheço ."
 
Alice  Ruiz ,
poeta e tradutora ,
 nascida em Curitiba ,
 aos  22/01/1946
 
Som  na  caixa ...
 

sexta-feira, 6 de junho de 2014

CUIDADO COM PESSOAS COMO EU

Alberto  Seveso

É  o segundo romance de Eduardo Basczczyn ,
escritor e jornalista ,
 nascido em São Paulo ,em 1976.

Abrir ou não a porta ?
É  a questão colocada pelo autor .
Luísa  foi abandonada pelo namorado  
e se surpreende ,  quando , depois de
certo tempo , ele volta ao apartamento 
dela em busca de coisas que ainda restavam lá .
Começa bater à porta e ela se recusa a abri-la .
Aí , inicia-se  o monólogo
 catártico e ininterrupto dela.
Gosto da forma intensa e lírica do
autor conduzir  a história.
Por isto , partilho com vocês alguns fragmentos .

"  se eu não preciso mais nem do que 
está dentro de mim , como você pode
vir bater nesta porta atrás  de restos ?
De pequenos objetos , sem importância ,
deixados para trás . Como pode atravessar
a cidade toda para vir buscar  esse
seu tão pouco que sobrou ?
Porque eu não tive tempo . Está me ouvindo ?
Eu ainda não tive tempo de arrumar 
as suas coisas .
(...)  Acho melhor você parar  de 
bater na porta desse jeito .
Nesse mesmo ritmo .
Com esse mesmo intervalo entre 
as batidas , como se tivesse ensaiado
antes . Eu não vou abrir . Está ouvindo ?
Hoje  serei a desobediente .
A menina que, depois  do não , 
escreve a mesma frase  na lousa  centenas
de vezes  até  o final do giz .
(...)  Há anos coleciono castigos .
E hoje novamente desobedeço .
Não abro esta porta apesar  da vontade
de ver  a sua cara  de decepção  do 
outro lado . Eu não estou morta como
você gostaria .
 Eu ainda  não estou morta .
(...) Não completamente .
Porque olha :  as janelas estão abertas .
O sol  tem entrado quase todas as manhãs,
teimoso , se contorcendo , entre os vãos dos
prédios da frente . Passando pelos mínimos
espaços  que encontra  entre tantos obstáculos 
até aqui . É preciso abrir as janelas , não é ?
É preciso  deixar que pelo menos um filete 
de sol  passeie  pelo apartamento todos os dias .
É preciso  de pelo menos um raio milimétrico 
de luz  para que a planta não morra .
Mais  do que encharcar  a terra com água ,
é preciso  abrir as  janelas , eu sei .
( ...)
  Eu sei que poderia desvirar a chave e 
abrir poucos centímetros desta porta .
Que poderia  olhar  sua cara pelo espaço e 
falar tudo para os seus olhos ,
mas são os pequenos vãos que permitem a 
entrada de insetos silenciosos 
no meio da madrugada .
E você invadiria o apartamento  como um deles.
( ...)
Eu   não mexi em nada ainda .
Apenas  nas fotos .
Já disse que troquei as fotos ?
Todas . Porque não aguentava mais 
seus sorrisos pelos cantos .
Seus olhos pregados nas paredes observando
meus dias . Suas miniaturas vivendo em
cima dos móveis . Ao lado da cama .
Sobre o velho piano , como se nada 
tivesse acontecido .
Como se a última noite não tivesse existido .
Você  , em todos os lugares do apartamento.
Em todos os momentos . 
Olhando os meus sonos .
Ouvindo as minhas conversas .
Acordado , me fazendo companhia 
nas insônias  sem que eu pedisse .
Sem que eu quisesse.
Pares de olhos arregalados pela casa ,
brotando por todos os lados .
Espiando, do corredor , meus banhos
de porta aberta . Minhas saídas e minhas
voltas . Meus choros . Minhas febres .
Escutando minhas orações .
Aplaudindo minhas danças  no 
meio da sala .
Cantarolando  com meus assobios
desafinados.
Descobrindo os segredos 
que carrego nos bolsos .
Fantasma controlando os meus horários .
Por isto eu troquei as fotos . Todas .
Por coisas da infância , já disse ?
  No seu lugar  agora , um outro passado .
Mais distante . Em vez dos seus olhos ,
os de uma menina descolorida pelo tempo .
Amarelada .
(...)
Você  chegou a ver esta foto ?
Eu : pano branco e vagabundo ,
vela em uma das mãos ,
 as  asas presas nas costas :
 um anjo .
(...)
Tirei  você de cima do piano , transformando
seu rosto e seu sorriso em pedaços  atirados
no lixo , e coloquei essa foto .
Eu , um anjo .
( ...)

Tola . Ingênua . Desavisada .
Sem saber que , em uma noite qualquer ,
você, deixaria o passado , atravessaria 
a cidade infernal  e retornaria 
como se tivesse  colado 
as partes picadas . Como se tivesse 
saltado de uma das fotografias remendadas .
Grudadas , Refeitas . 
Como é que a gente rasga o que tem 
na memória ?
Por que  não me ajuda ?
Por que não me responde ?
Por que não afasta as suas mãos desgraçadas 
da porta , por um momento, e me
diz ? 
Como é que a gente rasga o  que tem na memória ?  
( ...)
De repente , você e seu retorno egoísta 
provando que estou apenas substituindo
fantasmas . Que é perda de tempo trocar 
suas fotografias pelas da menina do passado .
Pela criança descolorida  pelos anos .
Amarelada. Pela menina desbotando aos 
poucos  todos  os dias .
De repente,você de volta  me mostrando
que os ferros duros vão permanecer para
sempre no mesmo lugar .
Machucando as minhas costas .
Só a dor traz o crescimento , eu sei .
Como é que a gente rasga o que tem na memória ?"

Eduardo Baszczyn


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sexta-feira, 30 de maio de 2014

POEMA DE HOJE ...

Steven  Graber

" Quando   pensei  que estava tudo cumprido ,
havia  outra  surpresa :  mais uma curva 
do rio , mais riso ,
mais  pranto .

Quando calculei que tudo estava pago,
anunciaram-se   novas  dívidas e juros ,
o amor e o desafio .

Quando  achei  que  estava  serena ,
os  caminhos  se  espalmaram
como dedos de espanto 

em cortinas  aflitas . E  eu espio ,
ainda que o olhar seja grande 
e a fresta  pequena ."

Lya Luft 
in , " O tempo é um rio que corre " 

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sexta-feira, 23 de maio de 2014

RETIRADA

Michael   Solovyev 

" Respeite  o silêncio
a omissão
a ausência .
É meu movimento  de deserção.
Abandonei  o posto,
rompi a corda ,
desacreditei de tudo .
Cansei de esperar  que finalmente um dia ,
minha fotografia 
fizesse jus ao seu criado-mudo "

  in , " Calçada de Verão "
Flora Figueiredo 
poeta ,cronista e tradutora ,
nascida em São Paulo , em 1951 .

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sábado, 17 de maio de 2014

CANÇÃO DO DIA DE SEMPRE

Pascal Roy 

" Tão bom viver  dia a dia ...
A vida assim , jamais cansa ...

Viver  tão só de momentos 
Como estas nuvens no céu 

E só ganhar , toda a vida ,
Inexperiência , esperança ...

E a rosa louca dos ventos 
Presa à copa do chapéu .

Nunca dês um nome a um rio :
Sempre é outro rio a passar .

Nada  jamais continua ,
Tudo vai recomeçar !

E  sem nenhuma lembrança 
Das outras vezes perdidas,
Atiro a rosa do sonho
Nas tuas mãos distraídas ."

Mario Quintana 

Dedicado ao Felipe , meu filho ,
que amanhã , 18 de maio ,
completa mais uma ano de vida .
Parabéns !
Saúde , Sucesso e muito amor ,
com as bençãos de Deus .
Beijos

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sábado, 10 de maio de 2014

CELEBRAÇÃO

imagem  da net 

Há  quatro anos nascia este blog .
Como um filho,  ele vem me trazendo alegria 
e  agregando ao meu redor  pessoas  que
só me fazem  crescer .
Hoje é dia de agradecer .
Obrigada  a vocês que me acompanham ,
pelo apoio , incentivo e carinho .
A  afinidade nos envolve , bem sei .
 Artur da Távola , descreveu
com maestria  este sentimento e publico  seu texto .
Aproveito , para desejar a todas as mães felicidades ,
já que amanhã comemora-se  nosso dia .
Beijo com gratidão todos vocês .
Marisa 

AFINIDADE 

"  Não é o mais brilhante , mas é  o mais sutil , 
delicado e penetrante dos sentimentos .
Não importa o tempo , a ausência , os adiamentos,
a distância , as impossibilidades .
Quando há AFINIDADE ,
qualquer reencontro  retoma a relação ,
o diálogo ,  a conversa , o afeto ,
no exato ponto de onde foi interrompido.
AFINIDADE  é não haver  tempo 
mediante a vida .
É a vitória do adivinhado sobre o real ,
 do subjetivo  sobre o objetivo ,
do permanente  sobre o passageiro , 
do básico  sobre o superficial .
Ter  AFINIDADE  é  muito raro ,
mas quando ela existe ,
não precisa de códigos   verbais 
para se manifestar .
Ela existe antes do conhecimento ,
irradia  durante e depois  que as pessoas 
deixam de estar juntas .
AFINIDADE  é ficar  longe , pensando parecido 
a respeito dos mesmos fatos  que 
impressionam , comovem , sensibilizam .
AFINIDADE  é receber  o que vem de dentro
como uma aceitação anterior  ao entendimento .
AFINIDADE  é sentir com ...
Nem sentir contra , sem sentir para ...
Sentir   com e não ter necessidade 
de explicação do que está sentindo .
É  olhar e perceber .
AFINIDADE  é um sentimento singular ,
discreto  e independente .
Pode existir  a quilômetros de distância ,
mas é adivinhado na maneira de falar ,
de escrever , de andar , 
de respirar ...
AFINIDADE  é retomar a relação  no 
tempo que parou .
Porque ele ( tempo)  e ela ( separação )
nunca existiram .
Foi apenas a oportunidade dada (tirada )
pelo tempo  para que a maturação
pudesse ocorrer  e que cada pessoa 
pudesse ser  cada vez mais "

Artur da Távola ,
pseudônimo de
 Paulo Alberto Moretzsohn Monteiro de Barros ,
escritor , jornalista e  político  brasileiro ,
 nascido no Rio de Janeiro ,
em 1936 e morto em 2008 . 


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sexta-feira, 2 de maio de 2014

A MÚSICA ( E SUAS VARIAÇÕES )

Leandro  Lamas

" Há  música  no  ar .
Talvez não o percebas .
Talvez não haja  silêncio em ti 
para que o percebas .

Há  música  no ar .
É  a linguagem  dos seres .

Não  a  ouves , mas está no ar ,
no mar 
em mim 
em ti 
nas coisas todas .

A música és tu mesmo ao escutares a música  .
Ou és tu mesmo
no teu silêncio  interior .

A árvore  é música ,
há música nas pedras ,
há música na lama ,
na alma ,
  nos  sonhos .
E as areias da praia são músicas também .

Ela é a esquisita  pulsação do tempo ,
é o ritmo da vida ,
a pausa no cansaço ,
a pausa  e a força na paixão .

É  esse  relógio impiedoso
que marca a mágica passagem 
das horas pessoais .

É música  , a alegria 
e a dor 
e a agonia  da espera .

São as notas que se escoam 
e vão , silenciosamente ,
compondo em ti , de forma obscura ,
a tua melodia interior .

A música 
essa música que escutas ,
é a música menor .

A grande música 
é a que se vai formando em ti 
no espaço de tua vida ,
no tempo de tuas paixões .

És   tua própria música .
És o teu tema sempre retomado ,
teu  ritmo , tua melodia ,
teus arranjos 
e , sobretudo ,
tuas variações ."


Daniel Lima ,
in " Poemas "

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