quarta-feira, 26 de março de 2014

ESQUECER COMO

Roman   Velichko

" Esquecer como :
rosa 
vinho
orgasmo

Esquecer  como :
grito
ferida 
raiva 

Esquecer como :
pele
faca
 lágrima

Esquecer  como :
morte
dor 
viagem  "


Maria Teresa Horta ,
nascida em Lisboa  ,
aos 20 de maio de 1937 ,
escritora , jornalista , poeta ,
co-autora  das " Novas Cartas
Portuguesas " 

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sábado, 22 de março de 2014

PAULO LEMINSKI

Jean Paul Nacivet 

" Amar  você  é coisa de minutos
A morte é menos que teu beijo 
Tão bom ser teu que sou
Eu  a teus pés derramado 
Pouco resta do que fui 
De  ti depende  ser bom ou ruim 
Serei o que achares conveniente 
Serei para ti mais que um cão
Uma  sombra  que te aquece 
Um deus que não esquece 
Um servo que não diz não
Morto teu pai serei teu irmão
Direi os versos que quiseres 
Esquecerei todas as mulheres 
Serei tanto e tudo e todos 
Vais  ter nojo de eu ser isso 
E estarei a teu serviço 
Enquanto  durar meu corp
Enquanto me correr nas veias 
O rio vermelho que se inflama 
Ao ver teu rosto  feito  tocha 
Serei teu rei  teu peão  tua rocha 
Sim , eu estarei  aqui ."


in , "Toda Poesia "
 livro que reúne
no dizer de Alice Ruiz ,
 que foi casada  com Leminski , 
" Uma vida inteira de poesia .
Uma vida totalmente dedicada  ao 
fazer poético . Curta , é verdade ,
mas  intensa , profícua  e original ."  

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sexta-feira, 14 de março de 2014

O ÁUGURE

Gail  Harmer 

" Sou  um  prisma  às  avessas 
as  cores  em  mim   se  confundem
sou  um  tapete  de  ecos 
uma  cachoeira  de  gritos 
uma  cordoalha  de muitos tempos 

A esfera  de  lantejoulas 
- passado  presente  futuro -
roda refletindo  mil sóis 

Sou  essa  colméia  de incêndios 
essa  assembléia  de sinais 
esse  rumor  insone ."


Hélio Pellegrino ,
 nasceu em Belo Horizonte 
 aos 5 de janeiro de  1924 
 e morreu no Rio de Janeiro  ,
 em 23  de março  de  1988 .
Foi  médico psiquiatra , psicanalista ,
escritor , jornalista , poeta .
Conhecido por sua amizade com os
 também  escritores  ,
 Fernando Sabino ,  Paulo Mendes Campos 
e Otto Lara Rezende , formando com eles
o  grupo conhecido como " Os  4 mineiros ".  
Sua poesia só foi publicada  cinco  anos após
sua morte ,   no livro " Minérios  Domados ",
organizado por  Humberto Werneck .


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sexta-feira, 7 de março de 2014

CARTA DE CAIO FERNANDO ABREU

Victor  Bregeda 

Escrever  era  algo fundamental para
 Caio Fernando Abreu .
Ele  dizia que se expressava  melhor  " por escrito" ,
 por isso escreveu  tantas  e tão belas  cartas .
Aqui , coloco alguns trechos de uma carta  que ele enviou
ao amigo jornalista  José Márcio Penido , em 1979 .
Nela , estimula o amigo a escrever , fala do processo
de criação e de sua admiração por Clarice Lispector .


"   Porto , 22 de dezembro de  1979

 Zézim ,

cheguei  hoje  de tardezinha  da praia , fiquei lá 
uns  cinco dias , completamente só ( ótimo !),
e encontrei  tua carta .
( ...)
Das poucas  linhas  da  tua carta , 12 frases 
 terminam  com ponto de interrogação .
 São , portanto , perguntas .
( ...)
Você  quer  escrever .
 Certo , mas você quer escrever ?
Ou  todo mundo  te  cobra  e você acha que tem 
que escrever ? 
( ...)
Isolando as cobranças  você continua querendo ?
Então vai , remexe fundo , como diz um poeta
gaúcho  Gabriel  de Britto Velho ,
" apaga o cigarro no peito / diz pra ti 
o que não gostas de ouvir /diz tudo ".
Isso é escrever .
 Tira  sangue com as unhas .
E não importa  a forma .
Mas tem que sangrar    a- bun-dan-te-men-te .
Você  não está com medo desta entrega ?
Porque dó , dói , dói .
É de uma solidão assustadora .
( ...)
Eu conheci razoavelmente  bem Clarice Lispector .
Ela era infelicíssima, Zézim .
A primeira vez que conversamos  eu chorei
depois a noite inteira , porque ela inteirinha
me doía, porque parecia se doer também ,
de tanta compreensão  sangrada  de tudo .
Te  falo nela porque Clarice , pra mim ,
é o que mais conheço de GRANDIOSO , 
literariamente  falando .
Ela se entregou  completamente  ao
seu trabalho de criar .
Mergulhou na sua própria   trip  e foi
inventando caminhos  na maior solidão .
Como Joyce . Como Kafka , louco e só
em Praga . Como Van Gogh .
 Como Artaud,ou  Rimbaud .
É  esse  tipo de criador que você quer ser ?
Então  entregue-se  e pague o preço
do pato . Que , frequentemente , é 
muito  caro .
( ...)
Zézim , remexa  na memória , na infância , 
nos sonhos , no poço sem fundo do inconsciente :
é  lá que esta o seu texto .
Sobretudo , não se angustie  procurando-o :
ele vem até você ,
 quando você e ele estiverem prontos .
Cada um tem seus processos , 
você precisa  entender os seus .
( ...)
E  ler , ler é alimento de quem escreve .
Várias vezes  você me disse que não
conseguia mais ler .
Que não gostava mais de ler .
Senão gosta de ler ,
como vai gostar de escrever ?
Ou escreva  então para destruir o texto 
( ...)
Quanto  a  mim , te falava desses dias na praia .
Pois olha , acordava às seis , sete da manhã ,
ia  pra praia , corria uns quatro quilômetros,
fazia exercícios, lá pelas dez voltava , 
ia cozinhar  meu arroz . Comia , descansava 
um pouco , depois  sentava e escrevia .
Ficava  exausto . Fiquei exausto .
Passei os dias falando sozinho , mergulhado 
num texto, consegui arrancá-lo .
Era  um farrapo que tinha nascido em setembro ,
em Sampa . Aí , nasceu , sem que eu planejasse .
Estava  pronto  na minha cabeça .
Chama-se  Morangos Mofados ,
vai  levar  uma epígrafe de
 Lennon& McCartney, tô aqui com a letra 
de Strawberry fields  forever  pra traduzir .
Zézim , eu acho que tá tão bom .
( ...)
Quando  terminei Morangos Mofados ,
escrevi em baixo , sem querer ,
"criação é coisa  sagrada ."
Zézim , me dê notícias , muitas ,
e rápido .
E te cuida , por favor , te cuida bem .
Qualquer poço  mais escuro ,
disque 0512-33-41-97.
Eu  posso  pelo menos  ouvir .
Não leve a mal alguma dureza  dita.
É porque  te quero claro .
Citando Guilherme Arantes , pra terminar :
" Eu quero te ver com saúde / 
sempre de bom humor / e de boa vontade ."
Um  beijo do Caio  "


in , Morangos  Mofados 

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.







sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

VERMELHO AMARGO

Margareth   Fischer 

(  ...)

" Dói . Dói muito . Dói  pelo corpo inteiro .
Principia  nas unhas , passa pelos  cabelos ,
contagia  os ossos , penaliza a memória  e
se  estende  pela  altura  da  pele .
Nada  fica  sem  dor .
Também  os  olhos , que só armazenam 
as  imagens  do que já  fora , doem .
A  dor  vem  de  afastadas  distâncias ,
sepultados  tempos , inconvenientes  lugares ,
inseguros  futuros .
Não  se  chora  pelo  amanhã .
Só  se  salga  a carne  morta ."


Bartolomeu  Campos de Queirós 
in  ,  "  Vermelho  Amargo "



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sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

VERSOS DE HOJE ...

Duy  Huynh

"  Antes  que  venham  ventos e te levem 
do  peito  o amor - este  tão  belo  amor ,
que  deu grandeza  e graça  à  tua  vida - ,
faze  dele , agora ,  enquanto é tempo ,
uma  cidade  eterna - e nela  habita ."


Thiago  de Mello ,
no poema " Sugestão " 

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sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

NA MARGEM

Jean  Paul  Nacivet 

" No  seu  rosto algumas  mulheres 
 mergulham desabaladamente .
Outras , mais  cautelosas , 
já  tendo apanhado da vida ,
chegam  pisando  de  lado ,
 aproximam-se  devagar .
Começam  por  molhar  os  dedos , 
depois ,  com  um  olhar 
que  se quer  distraído , 
dispõem-se  a  banhar  os  pés 
( são estas , talvez ,  as  que  correm  maior perigo -
 pois  ao senti-las  reticentes ,
 suas  águas  se  temperam  de  encantos 
luminosos , flutuantes , evanescentes ,
 e  em  breve  se estendem ,
em pequenas  ondas  graciosas ,
 ao  redor  dos  tornozelos .
Quando  dão por  elas - pronto !
 - já  estão  mergulhadas  até
o pescoço .)
Outras , ainda , ( as  tolas ) acreditam 
 possuir alguma qualidade
especial  que  as  tornará  necessárias 
 ao  mistério  das suas profundezas . 
Como se os seus  corpos , ao se banharem naquele
líquido , estivessem , por contraste , 
oferecendo  a  ele  alguma  coisa  de  útil .
Pura  ilusão .
 Não percebem ,  as  desavisadas ,
 as pretensiosas , que , no contato íntimo 
 da  sua água  com  a  pele ,
 ela  nunca , propriamente  as  penetra . 
Envolve , talvez . 
Adula , acaricia . Aquece . 
Recebe , torna  macia  e cheia  de luz - mas nunca ,
nunca  a  ela  se  mistura .
Aos  seus  olhos , portanto , 
cada mulher  não passa de um corpo ,
 massa  sólida  a se deslocar de um lado para o outro ,
com  maior graça  ou  menor  grau de desconforto , mas
ainda  e  apenas  isto :  um  objeto fugidio ,
 que  nada  tira  nem  em  nada  lhe  acrescenta -
 um  acaso do movimento  que ,
meramente  se  dá .
Não  eu .
 Eu não sou  como  nenhuma - nem  uma única 
dessas  tristes  mulheres .
Conheço  e  palmilho ,  a cada  dia ,
 a completa extensão  de  sua  orla .    
Percorro , de pés  descalços , sua órbita ,
 tropeçando  em  pequenas pedras , 
cortando a pele  no  espinhal . 
Há  ocasiões  que  sangro  profusamente ,
e  é  preciso  que  pare  e  me  sente
  para  descansar em  alguma  pedra 
 da  região  desértica  que
circunda  o  seu  perímetro .
Nestas  vezes , tenho  oportunidade  de observar
de perto  o banho  das  outras  mulheres : 
seus  movimentos aéreos  e leves ;
tremeluzindo  no  rosto ,
 a surpresa  e a delícia iniciais ;
a  seguir , o despontar  do  desconforto , 
e nas sobrancelhas  franzidas ,
 a breve desconfiança 
da promessa  de saciedade  que nunca se realiza .
E , logo , ao constatarem  a perda do próprio  reflexo,
os músculos  que se retesam , 
os esgares aterrorizantes ,
a tentativa de fuga  entre grunhidos - 
apenas  para ,no fim , o corpo ,
 como um menir ,  ser tragado ,
inerte , para a areia escura lá no fundo .
E é por isso - por ter assistido tantas e tantas vezes 
a este  terrível espetáculo  que reúno  em mim 
as  forças  para  manter  a disciplina :
por  maior que  seja  a  sede , 
por  mais que me deforme 
e arda  no rosto esta máscara de barro  ressecado 
( à noite , sonho com o bálsamo do seu  úmido abraço ),
em  suas  águas não  entrarei ."

Claudia Roquette-Pinto 

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