quarta-feira, 17 de outubro de 2012

PESSOA , SEMPRE ...

 
"    ( ...)
 
Saudades !  Tenho-as  até  do que me não foi
nada , por uma angústia  de fuga do tempo e
uma doença  do mistério da vida .
Caras que via habitualmente  nas minhas ruas
habituais- se deixo de vê-las  entristeço ; e não me 
foram nada  , a não ser o símbolo  de toda a vida .
O  velho  sem interesse das polainas  sujas  que
cruzava  frequentemente  comigo 
 às  nove  e meia  da manhã ?
 O cauteleiro coxo que me maçava
inutilmente ?   
  O velhote redondo e corado
do charuto à porta da tabacaria ?
O dono pálido  da tabacaria ?
O que é feito de todos eles , que , porque os vi
e os tornei a ver , foram parte da minha vida ?
Amanhã também eu me sumirei  da Rua da Prata ,
da Rua dos Douradores , da Rua dos Fanqueiros .
Amanhã  também eu - a alma que sente e pensa ,
o universo que sou para mim - sim , amanhã  eu
também  serei o que deixou de passar  nestas ruas ,
o que outros vagamente  evocarão com um
" o que será dele ?".
E  tudo quanto faço , tudo quanto sinto ,
tudo quanto vivo ,
 não será mais que um transeunte  a menos
 na  quotidianidade   de ruas de uma cidade qualquer . "
 
 
Bernardo Soares ,in " Livro do Desassossego "
Fragmento ,481

4 comentários:

  1. Marisa,

    Belíssimo texto, hein. Muito bom mesmo.

    Obrigado pelo destaque.

    Beijos

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  2. Danny ,
    Gosto bastante do Livro do Desassossego e venho sempre postando Bernardo Soares .
    Fico contente que tenha apreciado e me visitado .
    Beijos

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  3. Bom dia, bons pensamentos de Bucareste! Desejo-lhe um ótimo dia com seus entes queridos. Com a poesia na alma.

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  4. Obrigada , Cristian . Vc sempre gentil , poeta . Bjs

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