VIVA O POETA !
" Distâncias somavam a gente para menos .
Nossa morada estava tão perto do abandono que dava
até para a gente pegar nele . Eu conversava bobagens
profundas com os sapos , com as águas e com as
árvores . Meu avô abastecia a solidão .
A natureza avançava nas minhas palavras tipo assim :
O dia está frondoso em borboletas .
No amanhecer o sol põe glórias no meu olho .
O cinzento da tarde me empobrece .
E o rio encosta as margens na minha voz .
Essa fusão com a natureza tirava de mim a liberdade
de pensar . Eu queria que as garças me sonhassem.
Eu queria que as palavras me gorjeassem .
Então comecei a fazer desenhos verbais de imagens .
Me dei bem . Perdoem-me os leitores desta entrada mas
vou copiar de mim alguns desenhos verbais que fiz
para este livro . Acho-os como os impossíveis verossímeis
de nosso mestre Aristóteles . Dou quatro exemplos :
1) É nos loucos que grassam luarais ;
2) Eu queria crescer pra passarinho ;
3) Sapo é um pedaçode chão que pula ;
4) Poesia é a infância da língua .
Sei que os meus desenhos verbais nada significam .
Nada . Mas se o nada desaparecer a poesia acaba .
Eu sei . Sobre o nada eu tenho profundidades ."
Manoel de Barros ,
in " Poesia Completa "
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