Jinchul Kim
" Comecei a amar-te no dia em que te abandonei .
Foram as palavras dele quando , dez anos depois,
a encontrou por mero acaso no café .
Ela sorriu , disse-lhe " olá , amo-te " mas os lábios
só disseram " olá , tudo bem ?".
Ficaram horas a conversar , até que ele , nestas coisas
era sempre ele a perder a vergonha por mais vergonha
que tivesse naquilo que tinha feito
( como é que fui deixar-te ? como fui tão imbecil ao ponto
de não perceber que estava em ti tudo o que queria ?) ,
lhe disse com toda a naturalidade do mundo que queria
levá-la para a cama .
Ela primeiro pensou em esbofeteá-lo e depois amá-lo
a tarde toda e a noite toda , de seguida pensou em fugir
dali e depois amá-lo a tarde toda e a noite toda ,
e finalmente resolveu não dizer nada , e , lentamente ,
a esconder as lágrimas por dentro dos olhos ,
abandonou-o da mesma maneira que ele a abandonara
uma década antes . Não era uma vingança nem sequer
um castigo - apenas percebeu que estava tão perdida
dentro do que sentia que tinha de ir para longe dali
para ir para dentro de si .
Pensou que provavelmente foi isto que lhe aconteceu
naquele dia longínquo em que a deixara ,
sozinha e esparramada de dor , no chão ,
para nunca mais voltar .
De tudo o que amo és tu o que mais me apaixona .
Foram as palavras dela , poucos minutos depois ,
quando ele , teimoso , a seguiu até ao fundo da rua
em hora de ponta .
Estavam frente a frente , toda a gente a passar
sem perceber que ali se decidia o futuro do mundo .
Ele disse :
" casei-me com outra para te poder amar em paz ."
Ela disse :
" casei-me com outro para que houvesse um ruído
que te calasse em mim ."
Na verdade nenhum nem outro disseram nada
disso porque nenhum nem outro eram poetas .
Mas o que as palavras de um
( amo-te como um louco ) e as palavras de outro
( amo-te como uma louca ) disseram foi isso mesmo .
A rua parou , então , diante do abraço deles ."
in , " Prometo falhar "
Som na caixa ...