Anna & Elena Balbusso
Leio e releio Clarice .
Assim , partilho com vocês , uma vez mais ,
a crônica "POR NÃO ESTAREM DISTRAÍDOS" ,
contida no livro ,
" A DESCOBERTA DO MUNDO" ,
que publiquei em outubro de 2014 .
" Havia a levíssima embriaguez de andarem juntos ,
a alegria como quando se sente a garganta um
pouco seca e se vê que , por admiração ,
se estava de boca entreaberta :
eles respiravam de antemão o ar que estava
à frente , e ter esta sede era a própria água deles .
Andavam por ruas e ruas falando e rindo,
falavam e riam para dar matéria e peso à levíssima
embriaguez que era a alegria da sede deles .
Por causa de carros e pessoas , às vezes eles
se tocavam , e ao toque - a sede é a graça ,
mas as águas são uma beleza de escuras - e ao
toque brilhava o brilho da água deles ,
a boca ficando um pouco mais seca de admiração .
Como eles admiravam estarem juntos !
Até que tudo se transformou em não .
Tudo se transformou em não quando eles quiseram
a mesma alegria deles .
Então a grande dança dos erros .
O cerimonial das palavras desconcertadas .
Ele procurava e não via, ela não via
que ele não vira , ela que ,
estava ali , no entanto .
No entanto ele que estava ali .
Tudo errou , e havia a grande poeira das ruas ,
e quanto mais erravam , mais com aspereza queriam ,
sem um sorriso .
Tudo só porque tinham prestado atenção ,
só porque não estavam bastante distraídos .
Só porque , de súbito exigentes e duros ,
quiseram ter o que já tinham .
Tudo porque quiseram dar um nome ;
porque quiseram ser , eles que já eram .
Foram então aprender que ,
não se estando distraído ,
o telefone não toca ,
e é preciso sair de casa
para que a carta chegue ,
e quando o telefone toca ,
o deserto da espera já cortou os fios .
Tudo , tudo por não estarem mais distraídos ."
Clarice Lispector
Som na caixa .. .
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