Alberto Seveso
É o segundo romance de Eduardo Basczczyn ,
escritor e jornalista ,
nascido em São Paulo ,em 1976.
Abrir ou não a porta ?
É a questão colocada pelo autor .
Luísa foi abandonada pelo namorado
e se surpreende , quando , depois de
certo tempo , ele volta ao apartamento
dela em busca de coisas que ainda restavam lá .
Começa bater à porta e ela se recusa a abri-la .
Aí , inicia-se o monólogo
catártico e ininterrupto dela.
Gosto da forma intensa e lírica do
autor conduzir a história.
Por isto , partilho com vocês alguns fragmentos .
" se eu não preciso mais nem do que
está dentro de mim , como você pode
vir bater nesta porta atrás de restos ?
De pequenos objetos , sem importância ,
deixados para trás . Como pode atravessar
a cidade toda para vir buscar esse
seu tão pouco que sobrou ?
Porque eu não tive tempo . Está me ouvindo ?
Eu ainda não tive tempo de arrumar
as suas coisas .
(...) Acho melhor você parar de
bater na porta desse jeito .
Nesse mesmo ritmo .
Com esse mesmo intervalo entre
as batidas , como se tivesse ensaiado
antes . Eu não vou abrir . Está ouvindo ?
Hoje serei a desobediente .
A menina que, depois do não ,
escreve a mesma frase na lousa centenas
de vezes até o final do giz .
(...) Há anos coleciono castigos .
E hoje novamente desobedeço .
Não abro esta porta apesar da vontade
de ver a sua cara de decepção do
outro lado . Eu não estou morta como
você gostaria .
Eu ainda não estou morta .
(...) Não completamente .
Porque olha : as janelas estão abertas .
O sol tem entrado quase todas as manhãs,
teimoso , se contorcendo , entre os vãos dos
prédios da frente . Passando pelos mínimos
espaços que encontra entre tantos obstáculos
até aqui . É preciso abrir as janelas , não é ?
É preciso deixar que pelo menos um filete
de sol passeie pelo apartamento todos os dias .
É preciso de pelo menos um raio milimétrico
de luz para que a planta não morra .
Mais do que encharcar a terra com água ,
é preciso abrir as janelas , eu sei .
( ...)
Eu sei que poderia desvirar a chave e
abrir poucos centímetros desta porta .
Que poderia olhar sua cara pelo espaço e
falar tudo para os seus olhos ,
mas são os pequenos vãos que permitem a
entrada de insetos silenciosos
no meio da madrugada .
E você invadiria o apartamento como um deles.
( ...)
Eu não mexi em nada ainda .
Apenas nas fotos .
Já disse que troquei as fotos ?
Todas . Porque não aguentava mais
seus sorrisos pelos cantos .
Seus olhos pregados nas paredes observando
meus dias . Suas miniaturas vivendo em
cima dos móveis . Ao lado da cama .
Sobre o velho piano , como se nada
tivesse acontecido .
Como se a última noite não tivesse existido .
Você , em todos os lugares do apartamento.
Em todos os momentos .
Olhando os meus sonos .
Ouvindo as minhas conversas .
Acordado , me fazendo companhia
nas insônias sem que eu pedisse .
Sem que eu quisesse.
Pares de olhos arregalados pela casa ,
brotando por todos os lados .
Espiando, do corredor , meus banhos
de porta aberta . Minhas saídas e minhas
voltas . Meus choros . Minhas febres .
Escutando minhas orações .
Aplaudindo minhas danças no
meio da sala .
Cantarolando com meus assobios
desafinados.
Descobrindo os segredos
que carrego nos bolsos .
Fantasma controlando os meus horários .
Por isto eu troquei as fotos . Todas .
Por coisas da infância , já disse ?
No seu lugar agora , um outro passado .
Mais distante . Em vez dos seus olhos ,
os de uma menina descolorida pelo tempo .
Amarelada .
(...)
Você chegou a ver esta foto ?
Eu : pano branco e vagabundo ,
vela em uma das mãos ,
as asas presas nas costas :
um anjo .
(...)
Tirei você de cima do piano , transformando
seu rosto e seu sorriso em pedaços atirados
no lixo , e coloquei essa foto .
Eu , um anjo .
( ...)
Tola . Ingênua . Desavisada .
Sem saber que , em uma noite qualquer ,
você, deixaria o passado , atravessaria
a cidade infernal e retornaria
como se tivesse colado
as partes picadas . Como se tivesse
saltado de uma das fotografias remendadas .
Grudadas , Refeitas .
Como é que a gente rasga o que tem
na memória ?
Por que não me ajuda ?
Por que não me responde ?
Por que não afasta as suas mãos desgraçadas
da porta , por um momento, e me
diz ?
Como é que a gente rasga o que tem na memória ?
( ...)
De repente , você e seu retorno egoísta
provando que estou apenas substituindo
fantasmas . Que é perda de tempo trocar
suas fotografias pelas da menina do passado .
Pela criança descolorida pelos anos .
Amarelada. Pela menina desbotando aos
poucos todos os dias .
De repente,você de volta me mostrando
que os ferros duros vão permanecer para
sempre no mesmo lugar .
Machucando as minhas costas .
Só a dor traz o crescimento , eu sei .
Como é que a gente rasga o que tem na memória ?"
Eduardo Baszczyn
Som na caixa ...
Este ainda não conhecia. Fragmentos da realidade que totalizam o real, como as fotos, das duas fases, de uma forma arrasadora. Uma representação da vida com uma precisão na linguagem que nos apequena. Uma tensão narrativa que nos corrói, que nos dilacera. Cartilagens, órbitas, arcadas, raízes deitadas que aparentam não definhar. Brilhante, para mim, sobretudo, a beleza da linguagem.
ResponderExcluirBeijos, Marisa!
La Vida misma contada en este majestuoso Relato.
ResponderExcluirPerfectamente narrado y lleno de profundidad y sensibilidad.
Abrazos y Besines.
José Carlos , tão bom saber a opinião de um especialista ! A leitura deste livro me dilacerou . Como você aponta , a beleza da linguagem nos fascina . Obrigada por chegar logo e deixar mais luzidio este espaço . Beijos
ResponderExcluirFico feliz que tenha gostado , Pedro Luis .
ResponderExcluirMe agrada muito a escrita do autor .
Beijos
Não conhecia ainda e gostei muito! beijos,tudo de bom nesse fds!chica
ResponderExcluirMe alegra ter gostado , Chica . Agradeço e retribuo os votos de bom final de semana . Beijos
ExcluirOi Marisa,
ResponderExcluirPuxa, que livro intenso deve ser! O autor escreve com uma propriedade, como se ele fosse realmente a personagem. Adorei o trecho que selecionou.
Bjs querida e ótimo final de semana
Cristiane , o livro é muito
Excluirbom. O autor tem vasto conhecimento da alma feminina , penso eu .
Os amigos tem gostado dos trechos que selecionei . Obrigada . Beijos
Muito boa a postagem no seu conjunto...
ResponderExcluirMas o relevante é mesmo o escritor que você realça e eleva (não conheço) através dos excelentes excertos narrativos que selecionou. Espantoso como "veste a pele" desta personagem neste registo sofredor e acutilante... Grande vontade de ler, mas tenho tantos livros em lista de espera...
Ao ler, ocorreu-me que este romance bem poderia ser adaptada para teatro.
Bjo, Marisa :)
Odete , é muita responsabilidade escolher o que postar quando tenho companhias , como a sua , que fazem da escrita o que desejam . Sou apenas uma leitora e fico envaidecida quando vocês aprovam a publicação . Também pensei , enquanto lia o romance , que uma adaptação teatral seria interessante . Obrigada pela vinda . Beijos
ExcluirBoa partilha
ResponderExcluirMuito obrigada . Beijos
ExcluirSe encontrar o livro por aui, o comprarei pois me agradou o excerto.
ResponderExcluirMarisa Monte é alguém que gostaria de ver ao vivo, pois tem uma voz muito boa.
Bom final de semana :)
Se não encontrar o livro me avise que compro um e mando para você . Será um prazer , acredite . Beijos e ótimo final de semana .
ResponderExcluirObrigadissima pela gentileza :)
ExcluirBem haja!
Fico aguardando você me contar se conseguiu ou não o livro . Beijos
ExcluirQuerida , passando para deseja um sábado harmonioso!
ResponderExcluiragradeço pela visita tão gentil, volte sempre.
Deixe também seu link para que os leitores conheçam sua página, que se diga é maravilhosa!
Bjs
Nicinha
Agradeço seu desejo de harmonia neste sábado que está terminando e que foi abençoado . Também , obrigada pelo elogio ao meu espaço . Você sempre generosa e querida . Beijos , Nicinha .
ResponderExcluirMarisa; um Domingo d e paz pr ati.Pura Arte por aqui poesia & música...perfeitas!!!bjinsss
ResponderExcluirReceber os amigos é sempre bom . Obrigada , Lia . Beijos
ExcluirOI MARISA!
ResponderExcluirCONFESSO QUE NÃO CONHEÇO A OBRA DESTE ESCRITOR E QUE AQUI TRANSCREVES, APENAS UM PEDACINHO, MAS, JÁ DEU PARA PERCEBER A INTENSIDADE DA ESCRITA DO MESMO.
GOSTEI MUITO.
ABRÇS
http://zilanicelia.blogspot.com.br/
Zilani , a escrita do autor me agrada e fico feliz com a validação da minha escolha . Beijos
ExcluirMuito bom escritor! Um texto muito forte, e os excertos levados à cena dariam uma bela peça de teatro.
ResponderExcluirExcelente partilha., Marisa. E também gosto muito da Marisa Monte.
Como sabes estou agora a fazer uma paragem, mas decidi tirar hoje um pedaço da tarde para ver "como param as modas"...:-)
xx
Laura , estou muito honrada com sua visita . Sei que está em outros projetos e é gratificante ter uma escritora como você abrilhantando este espaço . Obrigada . Beijos
ExcluirQuerida amiga
ResponderExcluirTambém como outros amigos,
não conhecia o autor,
mas interessei-por suas palavras.
São belas
as palavras
que nos acariciam
o coração...
Obrigado por semear o belo
em um mundo tão carente
de sentimentos bons.
Aluisio , me deixa feliz sua vinda e aprovação . Obrigada . Beijos
ExcluirÓtima sua escolha, Marisa.
ResponderExcluirBelo e pungente desabafo duma mulher que insiste em ser teimosa até o fim!
Muito bom.
Bjo grande
Carmem
Que escrita poderosa.
ResponderExcluirA música é demais.
Beijinhos
Carmem , o desabafo da protagonista é forte , sim . Ela permeia o relato do abandono sentido na infância com a ausência do namorado . A leitura nos deixa dilacerados com sua dor . Acho que acertei na escolha . Obrigada . Beijos
ResponderExcluirObrigada , Pérola . Sua vinda é outra alegria . Beijos
ResponderExcluirlindo texto
ResponderExcluirbjs
Flavia
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Rifa: Premio atual oculos ray ban original novinho.
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Obrigada , Flávia . Volte sempre .
ExcluirMuito interessante não conhecia este autor, beijo Lisette.
ResponderExcluirLisette , mais uma amiga gostando do post . É gratificante saber que fiz boa escolha . Beijos
ResponderExcluirBoa tarde,
ResponderExcluirO texto é magnifico, como rasgamos nós o que temo na memoria? esta é a verdade que por mim nunca tinha sido pensada.
Dia feliz
AG
http://momentosagomes-ag.blogspot.pt/
António , você apontou a pergunta que repito por gostar : " Como é que a gente rasga o que tem na memória ? " Beijos
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