quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Silêncio



" É tão vasto o silêncio da noite na montanha.

É tão despovoado.

Tenta-se em vão trabalhar para não ouvi-lo,

pensar depressa para disfarçá-lo.

Ou inventar um programa, frágil ponto que mal

nos liga ao subitamente improvável

dia de amanhã.

Como ultrapassar essa paz que nos espreita.

Silêncio tão grande que o desespero tem pudor.

Montanhas tão altas que o desespero tem pudor.

Os ouvidos se afiam, a cabeça se inclina,

o corpo todo escuta: nenhum rumor.

Nenhum galo.

Como estar ao alcance dessa profunda meditação

do silêncio. Desse silêncio sem lembranças de

palavras. Se és morte, como te alcançar.




É um silêncio que não dorme: é insone:

imóvel mas insone; e sem fantasmas.

É terrível – sem nenhum fantasma.

Inútil querer povoá-lo com a possibilidade

de uma porta que se abra rangendo,

de uma cortina que se abra e diga alguma coisa.

Ele é vazio e sem promessa.

Se ao menos houvesse o vento.

Vento é ira, ira é a vida. Ou neve.

Que é muda mas deixa rastro –

tudo embranquece,as crianças riem,

os passos rangem e marcam.

Há uma continuidade que é a vida.

Mas este silêncio não deixa provas.

Não se pode falar do silêncio como

se fala da neve.

Não se pode dizer a ninguém como

se diria da neve:

sentiu o silêncio desta noite?

Quem ouviu não diz. "




Clarice Lispector , in " Onde estivestes de noite ?"

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